Por Márcio Berclaz
Entre todos os debates atuais, muitos dos quais hiperdimensionados, por vezes ficcionais, na largada de novos mandatos para governos estaduais e federal, parece haver consenso e insatisfação com o loteamento político dos cargos de Secretários Estaduais e Ministros. O histórico de diversas irregularidades da República carrega esse obscuro vício de origem sobre o qual pouco se fala.
Na pauta plural de cada dia, para meios de comunicação que querem o sensacionalismo com todos os monopólios dos seus largos tentáculos e não raro esquecem o caráter informativo e a responsabilidade social, não há foco sobre os verdadeiros problemas e, por consequência, não se projetam soluções que, de fato, permitam mudanças e criem ambiente democrático para elaboração de políticas públicas mais eficientes e eficazes, em medidas coerentes com os anseios da sociedade.
Pouco importa o número de Ministérios ou Secretarias, mas sim quem são os escolhidos para gerirem as políticas realizadoras de direitos fundamentais em nome dos Governadores ou do Presidente.
Há uma grande e absurda inversão. Os profissionais e técnicos das áreas de gestão de políticas públicas são exceção; os representantes dos partidos políticos que nada ou pouco ostentam no currículo para justificar o comando de uma pasta lamentavelmente brotam por todos os lados, preenchem quase todas as salas dos gabinetes. O que se vê das escolhas é acerto no varejo e erro no atacado.
É verdade que os Secretários e Ministros são de livre nomeação dos Governadores e da Presidente da República. Essa é possibilidade decorrente da regra do artigo 37, II, da Constituição. Se pelo menos fossem exigidos atos administrativos fundamentados para o provimento, haveria constrangimento e, quem sabe, esperança ou até mesmo alguma concreta expectativa.
Convenhamos, é inaceitável que alguém possa ser colocado na condição de Ministro da Educação sem ser um servidor ou técnico da área, sem possuir a experiência de gerir a complexa política pública do setor, sem a capacidade gerencial de tomar decisões, de compor uma equipe competente para o árduo trabalho a ser feito; o mesmo vale para a Saúde, para o Esporte, para a Assistência Social, para a Cultura, para o Turismo, para a Segurança Pública etc. Ou será que alguém desvinculado da engenharia, da arquitetura ou mesmo da administração pode ser encarregado de obras milionárias em portos, rodovias e usinas? Como pode alguém conhecer bem os meandros complexos do SUS sem que no seu currículo conste alguma atribuição pertinente? O que esperar de um Secretário ou Ministro de Educação que desconhece as linhas básicas da pedagogia, para o qual a Lei de Diretrizes e Bases é uma ilustre desconhecida?
No mínimo o nosso sistema deveria exigir que ao lado do provimento político houvesse a obrigatoriedade de um Chefe de Gabinete oriundo “da carreira”, técnico, aquele que já tinha compromisso antes do novo governo ser eleito, e que continuará tendo preocupação com a área de sua atuação mesmo quando outro for o eleito. O cargo de Secretários e Ministros deveria decorrer de função pública, a ser provida por servidores efetivos, pelo menos como regra. Pouco provável que no âmbito de um Estado ou do país inteiro não existam servidores em condições de bem exercer o mister. Só que isso ninguém propõe.
Evidente que gestores técnicos e de carreira não são garantia absoluta da ausência de falhas e, claro, também podem aplicar critérios políticos inadequados na condução dos ofícios; querer afastar isso é ignorar a falibilidade do humano.
Na crise da democracia representativa, não é aceitável que os Governadores e a Presidência da República possam colocar no cargo máximo de uma pasta pessoas cujo currículo desautoriza qualquer tipo de pertinência. Esse tipo de “potestas”, de “poder delegado”, é fetichizado, autorreferente, para não dizer irracional.
Entre tantos retratos possíveis, acredita-se que a figura objetiva da crise da política hodierna passa, em boa parte, por Secretários e Ministros que, de fato, não representam o cidadão e o povo preocupado com o profissionalismo na gestão pública, com respeito a seus direitos e adequados serviços.
Critérios objetivos e profissionais para nomeação de Secretários e Ministros: eis a chance de começar a reinventar uma política de libertação e transformadora. Que o povo, que a multidão escute e cobre. Não se espere que a mudança venha de dentro sem pressão ou poder de rebelião.
Márcio Berclaz é Promotor de Justiça no Estado do Paraná. Doutorando em Direito das Relações Sociais pela UFPR (2013/2017), Mestre em Direito do Estado também pela UFPR (2011/2013). Integrante do Grupo Nacional de Membros do Ministério Público (www.gnmp.com.br) e do Movimento do Ministério Público Democrático (www.mpd.org.br). Membro do Núcleo de Estudos Filosóficos (NEFIL) da UFPR. Autor dos livros “Ministério Público em Ação (4a edição – Editora Jusvpodium, 2014) e “A dimensão político-jurídica dos conselhos sociais no Brasil: uma leitura a partir da Política da Libertação e do Pluralismo Jurídico (Editora Lumen Juris, 2013).