Realizou a audiência sobre um caso de roubo, de três meses antes, no qual o réu respondia solto;
Viu o réu, de 18 anos, dependente químico de crack, sendo apresentado algemado e escoltado pela polícia porque preso por outro roubo de dois dias antes;
Autorizou que a mãe do réu acompanhasse a audiência;
Ouviu as vítimas, moças jovens que trabalhavam numa loja de roupas, que relataram o medo sentido quando o réu anunciou o assalto e fingiu estar armado, fugindo com R$350,00 e uma mochila, sendo logo preso por populares;
Escutou os policiais que fizeram a prisão, afirmando que quando chegaram o réu já estava detido pelos vizinhos da loja;
Interrogou o réu, até ali calmo, tendo confessado e demonstrado arrependimento;
Julgou o caso e condenou o réu a dois anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto;
Não pode mandar soltar porque preso pelo outro processo;
Explicou sobre a condenação e disse à mãe do réu, atenta o tempo todo, da importância do apoio dela e da necessidade de estar presente na hora em que o réu recebesse a liberdade, após cumprir as penas;
Então viu a mãe do réu chorando, sofrendo a mais profunda e lancinante dor de mãe, dos dias e noites sem dormir, do pesadelo contínuo e real da tragédia envolvendo o filho;
Observou o réu abaixar a cabeça e chorar feito uma criança, que todos jamais deixamos de ser, afundando-se na culpa pelo sofrimento da mãe e na miséria de sua vida;
Tentou encorajar o réu, agindo com autoridade, respeito e dignidade para com ele. E apoiou a mãe, falando de sua força e seu valor;
Agradeceu o sereno ato do policial da escolta, que se aproximou do réu e disse não precisar ter vergonha de chorar, que podia levantar a cabeça;
Olhou o réu sendo levado pela porta afora, de volta ao ciclo impiedoso e estigmatizante da prisão;
Esperou que um dia o Estado se preocupasse de verdade com o fenômeno das drogas e passasse a tratar o flagelo como um questão de saúde, educação, emprego, habitação, lazer e cultura, valorização das instituições, ou seja, com seriedade política;
Manteve a serenidade, despediu-se de todos e voltou ao gabinete,
Depois de anos de magistratura, ainda que tivesse consciência histórica das vicissitudes humanas, para aquele Juiz as vezes a vida parecia cruel demais, desnecessariamente cruel demais.
Indignou-se. Pensou, pensou e pensou sobre a natureza e função da Justiça.
Mas era tempo de seguir adiante. Outro julgamento aguardava.
Na porta de seu gabinete, antes de sair, deu meia volta. Resoluto, foi até sua mesa guardou o nome do réu. Procuraria acompanhar sua trajetória e tentaria auxiliar, de alguma forma.
E foi-se para a próxima audiência, na esperança de que naquela a vida se mostrasse um pouco leniente.
João Marcos Buch é Juiz de Direito em Joinville/SC