Por Carla Moradei Tardelli e Leandro Souto da Silva
// Colunistas Just 
 
É muito comum as pessoas não se preocuparem com o destino de seus bens após a morte. As que tem família sabem que haverá partilha entre os herdeiros, o que, conforme demonstra a experiência, nem sempre é algo pacífico e tranquilo.
Essa é a sequência natural das coisas, o corpo vai, os bens ficam.
Muita gente trabalha a vida toda para formar um patrimônio considerável, sem saber o que será feito desse amontoado de bens após sua morte. Às vezes a família assume postura belicosa e acaba por se fragmentar em decorrência da partilha.
Mas e quando a pessoa constitui um patrimônio e não tem herdeiros, seja na linha reta ou colateral? Quando, em vida, não cogitou sobre a possibilidade de lavrar um testamento?
Ocorre, nesse caso, um fato bastante curioso e que poucos sabem, exceto os que atuam na área de sucessões: para onde vão esses bens? Quem assume esse patrimônio?
A respeito da questão dispõe o art. 1819 do Código Civil que:
&ldquoFalecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância.&rdquo
Pois bem, declarada a vacância, o patrimônio amealhado durante a vida do falecido será destinado à Municipalidade.
Sim! É isso mesmo! Falecendo alguém sem herdeiros e sem manifestação de vontade sobre o futuro de seus bens, esses serão endereçados à Prefeitura, que lhes dará o destino que melhor lhe convier.
Independentemente de partido político, de momento histórico, de serem os bens valorizados ou em ruínas, a Municipalidade os abarcará e fará com eles o que bem entender, seguindo, claro, os princípios da Administração Pública.
Muitas pessoas, ao tomarem conhecimento desse fato, desconfiam de sua veracidade e se revoltam só em pensar que &ldquoperderão&rdquo seus bens para &ldquoo prefeito&rdquo!
Sim, pode ser revoltante em muitos aspectos, mas é a lei. &ldquoA lei é dura, mas é a lei&rdquo.
No entanto, há formas de se evitar que isso ocorra, se alguma resistência for superada.
A lavratura de testamentos ainda é prática pouco usual entre nós. Muitos de nós acreditamos que seja uma prática de mau agouro, que pode atrair interesseiros e oportunistas, que a morte poderá passar a rondar o testador.
A escolha de um testamenteiro, que irá dar cumprimento às vontades do testador, também é motivo de apreensão e insegurança, impedindo a destinação dos bens a quem os mereça, seja por ter estado ao lado daquele que os deteve em vida, seja por ser alguma instituição que teve a simpatia do autor da herança.
O testamento é um mecanismo seguro, capaz de dar a destinação mais apropriada aos bens daquele que, por motivos diversos, irá morrer sem deixar herdeiros aptos à manutenção de seu patrimônio.
Além do mais existem várias maneiras de se expressar a ultima vontade e, nem todas, precisam ser publicas. É o caso do &ldquotestamento cerrado&rdquo, onde o tabelião efetua a lavratura do documento e o lacra, sendo seu conteúdo revelado após a morte do testador.
É possível, ainda, dispor de parte desse patrimônio em proveito de algum ente específico, tal como um hospital ou obra assistencial. É o que conhecemos como &ldquolegado&rdquo. Assim sendo, ainda que existam herdeiros, a lei brasileira permite que parte do futuro espólio seja testado em favor de quem o testador escolha como merecedor de seus bens.
O brasileiro precisa deixar de ter medo do testamento.
Testar pode ser a forma mais contundente de expressão de vontade, quando não mais estivermos aptos a demonstrá-la.
Carla Moradei Tardelli é Advogada, membro da Associação dos Advogados do Estado de São Paulo, graduada em Direito pela Universidade Paulista em 2008. Pós graduada em Direito de Família pela Escola Paulista da Magistratura &ndash EPM. Professora em Cursos Jurídicos Preparatórios. Graduada em Psicologia pela PUC/SP em 1988, atuando por 21 anos, junto às Varas de Família e Sucessões e Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.Leandro Souto da Silva é Advogado, membro da Associação dos Advogados do Estado de São Paulo, graduado em Direito pela Universidade São Judas Tadeu em 2006. Professor em Cursos Jurídicos Preparatórios. Atuou como Assistente Judiciário e Escrevente Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por seis anos, com lotação em Vara de Família e Sucessões.