A recente entrada em vigor da Lei nº 13.245/2016 trouxe importantes reflexões e debates sobre o papel do advogado no âmbito dos inquéritos policiais. Queremos nos ater, todavia, tão somente à inovação realizada no inciso XXI do artigo 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.[1]
É que a norma modificada (Estatuto da Advocacia) e a letra fria da Lei (“Art. 7º – São direitos do advogado…”) dão a ilusória aparência de que esta garantia visou salvaguardar o exercício da advocacia, quando, em verdade, buscou-se preservar os direitos do investigado.
Não é de hoje, aliás, que parte da comunidade jurídica entende que o investigado teria tal direito, qual seja, o de se ver socorrido por defesa técnica, já no ato de interrogatório/depoimento em sede policial.
O interrogatório policial está descrito no artigo 6º, inciso V do CPP[2], o qual indica dever de observância ao disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro (CPP).
Já naquele, encontramos dentre os dispositivos o artigo 185, o qual prescreve que “o acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.”
Não se pode dizer, a teor do referido artigo 6º, que esta não seria uma disposição cabível. Não há duvidas de que a imposição da presença de um defensor (constituído ou nomeado, repita-se), no interrogatório, alcança os inquéritos policias. Trata-se de conclusão lógica, abarcada por parte da doutrina.
Tourinho Filho[3], já nos idos dos anos 2000, e Aury Lopes Jr.[4], pós advento da Lei nº 10.792/2003, que modificou o artigo 185 do CPP, já defendiam a posição da necessidade da presença de defesa técnica no âmbito do inquérito policial, mormente no interrogatório; invocam, para isso, além dos dispositivos processuais mencionados, a qualidade de sujeito de direitos do investigado/indiciado, e não mero objeto de apuração.
No mesmo sentido, veja-se o que diz o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, sobre a condição do indiciado: “Mais do que nunca, mostra-se relevante enfatizar que o indiciado, mesmo na fase policial, qualifica-se como sujeito de direitos e titular de garantias indisponíveis, não se justificando, por isso mesmo, o entendimento, totalmente equivocado, de que ele constituiria mero objeto de investigação. (…) As prerrogativas de ordem jurídica reconhecidas ao indiciado (ou a qualquer outra pessoa exposta à persecução penal do Estado) mais se acentuam quando se trata do ato de interrogatório, cuja natureza jurídica permite defini-lo, notadamente em razão do tratamento normativo que lhe dispensou a Lei no 10.792/2003, como verdadeiro ato de defesa (…).”[5]
Ocorre, sem embargo, que há um verdadeiro abismo entre aqueles investigados que possuem condições de contratar um advogado, e os hipossuficientes, os quais, muitas das vezes, terão seu primeiro encontro com a defesa técnica minutos antes das audiências de instrução e julgamento (ou, ainda, audiências de custódia).
Justamente por isso, pela ideologia anteriormente posta, e pelas mazelas que sofrem a camada mais desfavorecida de investigados, é que o Deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP) colocou na Justificativa[6] do Projeto de Lei nº 6.705/2013, de sua autoria, e que deu ensejo à lei em análise, o seguinte: “(…) O projeto de lei ainda ressalta que durante o processo de investigação criminal, o investigado esteja devidamente acompanhado do seu advogado, ou de defensor público, na hipótese de ser hipossuficiente, condenando que os atos devem ser realizados em respeito à prevenção de sua inocência. Portanto, para que uma investigação criminal seja feita, de forma republicana, faz-se necessário que estejam presentes nela os sagrados e fundamentais direitos à ampla defesa e ao contraditório do investigado, bem como que este esteja acompanhado do seu advogado, pois este é indispensável à administração da justiça.”
No mesmíssimo caminho, o Parecer ofertado pelo Relator do Projeto, Deputado Evandro Gussi (PV/SP), e aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e da Cidadania: “(…) Garante-se ainda aos investigados, a assistência de advogado, assegurando a ampla defesa e possibilitando ao cidadão contribuir com o procedimento investigatório.“
É de clareza meridional, assim, que o direito e garantia constante da mudança legislativa é também do acusado, e não apenas dos advogados; mesmo porque, como consta da Justificativa, em caso de investigado hipossuficiente, necessária se faz a presença de um Defensor Público (ou Dativo).
Se a obrigatoriedade daquela presença é discutível quando o investigado é intimado a comparecer, cabendo a ele procurar um advogado ou defensor público, o mesmo não se diga dos casos mais comuns, de prisão em flagrante de hipossuficientes, quando, além da questões aqui trazidas, também a teor do artigo 306, §1º do CPP[7], deverá a autoridade policial fornecer cópia daqueles autos à Defensoria Pública.
Não há porque, desta feita, interrogar-se o investigado preso em flagrante sem a presença de um defensor técnico. Não podemos continuar editando leis e modificando o ordenamento jurídico, sem que isso acarreta a devida evolução no dia a dia forense.[8]
Pedro Machado de Almeida Castro é Mestre em direito processual penal pela universidade de São Paulo – USP. Professor voluntário da Universidade de Brasília – UnB. Advogado.