Foto: ALLAN RICHNER/Divulgação ITAÚ CULTURAL.
Fonte: Carta Capital e Universa.
A premiada escritora mineira Conceição Evaristo entregou, no dia (18) deste mês, uma carta de apresentação à Academia Brasileira de Letras (ABL), confirmando sua candidatura à cadeira número 7 da instituição. Se for aceita, ela será a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na instituição.
“Assinalo o meu desejo e minha disposição de diálogo e espero por essa oportunidade”.
Disse Conceição Evaristo no documento entregue à sede da ABL, no Rio de Janeiro.
A escritora oficializou sua candidatura após a circulação de uma petição online, feita por fãs e admiradores, em apoio à escolha de Conceição. A petição ganhou grande repercussão e já ultrapassou 20 mil assinaturas.
Com a candidatura, Conceição pleiteia a vaga deixada pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos que faleceu em abril de 2018.
Sou Vozes-mulheres
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.
-Poema do livro “Poemas da recordação e outros movimentos”.
Quem é Conceição Evaristo
Aos 71 anos, Conceição Evaristo é professora universitária e escritora, tendo conquistado prêmios como o do Governo de Minas Gerais e o prêmio Jabuti, em 2015, com seu livro Olhos D’Água (2014).
“A gente sabe falar pelos orifícios da máscara e às vezes a gente fala com tanta potência que a máscara é estilhaçada”.
Mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense e autora de romances como Insubmissas lágrimas de mulheres (2011) e Ponçá Vivêncio (2003), Conceição nasceu em 29 de novembro de 1946 na favela do Pindura Saia, na zona sul de Belo Horizonte (MG), onde cresceu com sua mãe e seus 9 irmãos.
De família pobre, teve que conciliar os estudos com o trabalho de empregada doméstica, até concluir o curso normal, em 1971. Mudou-se então para o Rio de Janeiro, estudou Letras na UFRJ e foi aprovada num concurso público para o magistério.
Sua estréia na literatura se deu em 1990, com textos publicados na série Cadernos Negros, do coletivo Quilombhoje.
Uma das principais expoentes da literatura brasileira, Conceição Evaristo é militante do movimento negro, com grande atuação político-social.
“A nossa escrevivência não pode ser lida como ‘canções para ninar os da casa grande’, mas sim para incomodá-los em seus sonhos injustos”.
Unindo simplicidade e refinamento literário, sua literatura aborda temas como a discriminação racial, de gênero e de classe, e suas obras dão voz às mulheres negras da periferia e as suas lutas, suas dores, suas afetividades, suas cores, suas inteligências.
Entrevista para a Carta Capital
Em entrevista concedida à Carta Capital em maio de 2017, Conceição Evaristo conversa com Djamila Ribeiro sobre sua trajetória literária. Confira abaixo um trecho da entrevista (você pode ler a entrevista completa aqui):
Como foi pra você receber o prêmio Jabuti por Olhos d’ água?
Foi um momento muito feliz, mas ao mesmo tempo foi um prêmio da solidão. Eu desejei muito reconhecer ali os meus pares. E você vê que a literatura ainda é um espaço de interdição. A literatura como sistema, porque o texto é uma coisa, mas o sistema literário é formado por editoras, por críticos, pela mídia, pelas bibliotecas, livrarias, prêmios.
Nós podemos contar nos dedos os números de escritores negros que receberam o prêmio Jabuti. Um crítico literário pode dar visibilidade ao seu texto ao mesmo tempo que pode acabar com você como fizeram muitas vezes com a Carolina Maria de Jesus e continua se repetindo. O sistema literário está nas mãos das pessoas brancas.
Que dicas você daria para as mulheres mais jovens que sonham em ser escritoras?
A primeira dica que dou é dizer que a literatura é a arte da palavra. O bom musicista treina por horas, escuta música. Eu acredito inclusive naquele sujeito que é autodidata, que estuda muito também. Eu acredito que a gente precisa ter esse cuidado de que estamos produzindo arte. Você está lidando com a palavra e se a gente quer se colocar como alguém que está produzindo literatura, precisamos ter consciência daquilo que estamos produzindo. Não pode divagar: o primeiro exercício é escrever, depois a gente vê como publica. Mas vamos escrever primeiro e não cair na ilusão de que a literatura vai nos acolher logo. É um exercício de escrita e de militância.
Representatividade
A Academia Brasileira de Letras é mais uma das instituições nacionais com sérios problemas de representatividade. Em seus 120 anos de existência, contou com apenas 8 mulheres em suas cadeiras: Rachel de Queiroz, Diná Silveira de Queirós, Ana Maria Machado, Cleonice Berardinelli, Rosiska Darcy de Oliveira, Lygia Fagundes Telles, Zélia Gattai, Nélida Piñon.
Caso seja admitida, Conceição Evaristo será a 9ª mulher e a 1ª mulher negra e a integrar a ABL.
Por Daniel Caseiro.
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