Arte: Daniel Caseiro.
Neste último dia 07 de outubro de 2018 foi realizado o primeiro turno das eleições, em que ficaram definidos os cargos eletivos proporcionais e majoritários com vitória percentual dos 50% mais um, exigível pela legislação.
O primeiro turno define também, nos cargos majoritários em que nenhum candidato obtivera o percentual necessário, aqueles que continuarão a campanha política até a data da segundada rodada das eleições, marcada para 28 de outubro de 2018.
No entanto, antes mesmo destas definições resultantes dos votos nas urnas, os partidos políticos são responsáveis por pré-estabelecerem candidatos que concorrerão sobre sua legenda.
A escolha dos candidatos e da formação de coligações pelos partidos políticos foi formalizada desde o dia 5 de agosto, vez que o mesmo calendário estabelece o quinto dia deste mês como prazo para realização das convenções partidárias destinadas à escolha de coligações e dos candidatos à Presidência da República, bem como para governador e vice-governador, senador e suplente, deputado federal, deputado estadual ou distrital.
As convenções partidárias são grandes reuniões dos filiados, designadas ao julgamento de questões relevantes do partido. Em se tratando da indicação de seus candidatos aos cargos eletivos ou a formação de coligações, devem ser realizadas entre 20 (vinte) de julho a 5 (cinco) de agosto do ano eleitoral, conforme a Lei da Reforma Política, nº13.165/2015 e o calendário do TSE.
Como no sistema eleitoral brasileiro a candidatura aos cargos políticos eletivos é de monopólio dos partidos políticos, ou seja, é indispensável a filiação partidária para requerimento de candidatura (art. 14, §3º, V, CF), todos os candidatos ao pleito estão definidos.
Esta definição prévia resulta dos procedimentos internos previstos pelos estatutos partidários, vez que a Constituição Federal consagra expressamente, em seu art. 17, a autonomia partidária para definição de sua estrutura organizacional interna, funcionamento e mesmo os critérios de escolha dos candidatos aos cargos eletivos.
A autonomia partidária constitui verdadeiro baluarte constitucional, garantindo ausência de intervenção estatal no domínio da organização política da sociedade civil. No entanto, deve ser pensada em conjunto com as funções institucionais atribuídas à estas organizações pela própria Constituição Federal e pela Lei nº 9.906/95, que dispõe sobre os partidos políticos, dentre as quais a garantia do regime democrático, do pluralismo político e a autenticidade do sistema representativo.
Desta forma, os partidos assumem atividade política indispensável, vez que regulam os mecanismos de escolha dos candidatos à Presidência da República e estabelecem as condições de funcionamento das convenções nacionais, sem qualquer necessidade de vinculação ao deliberado por seus filiados.
As convenções, quando da escolha dos candidatos aos cargos eletivos, em tese deveriam referendar a opinião partidária, fruto do consenso de seus filiados ou, ao menos, o reconhecimento de uma posição majoritária. No entanto, atualmente funcionam como verdadeiras farsas, pois não só a definição dos candidatos ocorre sem a realização de prévias internas, mas resulta de interesses dos políticos mais influentes dos partidos, em verdadeiro modelo top down (“De cima para baixo”, em tradução livre).
Entre os três partidos com maior número de filiados em âmbito nacional, apenas o Partido dos Trabalhadores, que detém um eleitorado estimado em 1.589.377 eleitores, prevê a realização de prévias no estatuto partidário. O MDB e PSDB, com seus respectivos 2.394.547 e 1.460.958 eleitores, dispõem da competência para os órgãos de instâncias partidárias superiores decidirem pelos procedimentos a serem adotados na escolha dos candidatos.
Este modelo do sistema eleitoral, pautado pelo monopólio de elegibilidade dos partidos, mas sem qualquer previsão legislativa de obrigatoriedade de prévias internas, resulta no fortalecimento das oligarquias partidárias, decorrente da sobreposição da autonomia partidária sobre a função institucional que exercem sobre a democracia brasileira.
Desde a redemocratização de 1988, as únicas prévias partidárias realizadas ocorreram em 2002, ano em que o pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu o então senador Eduardo Suplicy (PT), com 84,4% dos votos, elegendo-se Presidente da República em seguida.
A ocasião de 2002 demonstra a relevância das prévias internas para o fortalecimento do candidato no cenário eleitoral. Neste ano, no atual espectro político antidemocrático e de ausência de democracia interna dos partidos, o PT perdeu verdadeira oportunidade de referendar a candidatura de Lula internamente, utilizando-se das prévias internas, tanto para legitimar a escolha do ex-presidente como candidato, quanto para lançá-lo na corrida presidencial com maior força eleitoral.
No entanto, a definição dos candidatos e das coligações novamente resultou de decisão antidemocrática: as coligações formadas ignoram o rigor ideológico dos partidos em vista do tempo disponível em propaganda eleitoral e da transferência de votos dos eleitores; a escolha da vice-presidência, que desde a redemocratização demonstra seu papel fundamental – posto a constante alternância de presidentes, que desde 1998 ocorreu três vezes –, ocorre sem qualquer prévia consulta aos filiados e em decisão submetida aos interesses eleitoreiros dos dirigentes partidários.
Até a noite do dia 3 (três) de agosto, faltando apenas 2 (dois) dias para o fim do prazo voltado a realização das convenções destinadas a escolha dos candidatos à Presidência, 3 (três) dos até então 14 (quatorze) presidenciáveis não haviam sido referendados pelos partidos (Lula, Cabo Daciolo e Levy Fidelix).
“Até então” porque, mesmo sem a realização de convenções, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) retirou a candidatura de Manuela d’Ávila e declarou apoio ao PT, no intermédio de 10 (dez) dias entre a realização das convenções e o requerimento formal de candidatura perante o TSE.
A legislação não prevê qualquer empecilho à substituição de candidatos em período posterior ao das convenções ou mesmo do requerimento de candidatura perante o Tribunal Superior Eleitoral. Muito pelo contrário, as siglas partidárias podem substituir os candidatos até 20 (vinte) dias antes do pleito (art. 13, §3º da Lei nº 9.504/7, que dispõe sobre as eleições), devendo apenas cumprir as respectivas formalidades.
A ausência de realização de eleições internas se faz por diversos motivos: necessidade de custeio próprio dos partidos, fraca militância política dos filiados e mesmo a dificuldade de definição, com certa antecedência, de candidatos que representem uma viabilidade de votos concretos à vitória eleitoral.
A inexistência de eleições internas para obtenção de candidato apto a representar a maioria dos filiados implica em evidente vício no canal democrático. Se os partidos são instrumentos intermediários obrigatórios no sistema eleitoral brasileiro, não podem estes restringirem a vontade popular, tornando o voto mero referendo da escolha dos dirigentes partidários.
Em meio à crise de representação política, pouco se fala da democracia intrapartidária, ainda que assuma tão importante relevo. Entretanto, findo o prazo de indicações, novamente o eleitor brasileiro se depara com as mesmas figuras políticas.
A insatisfação com o atual pleito eletivo não é fruto da ausência de interesse da sociedade civil nas eleições, mas decorrente do distanciamento criado propositadamente pelos partidos políticos, que impossibilitam a participação democrática nas escolhas internas e direcionam a escolha nas eleições a candidatos pré-escolhidos, sem qualquer diálogo popular.
Gabriel de Aguiar Tajra é graduando em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP).
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