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‘Todo esse conjunto de arbitrariedades do Tribunal Regional do Rio de Janeiro reunido configura um Estado de Exceção, conceito oposto ao Estado de Direito”, afirma o constitucionalista Ricardo Cury
Por Caroline Oliveira
Na última quinta-feira, 25 de outubro, a juíza Maria Aparecida da Costa Bastos, do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), da Comarca de Niterói, determinou a prisão do diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense Wilson Madeira Filho caso o mesmo não retirasse a bandeira “Direito UFF Antifascista” da fachada do prédio até meia-noite de ontem (25). Os alunos e universidade resolveram acatar a decisão. No entanto, no lugar dos dizeres “Direito UFF Antifascista” substituíram por “Censurado” como uma crítica à decisão proferida pela juíza.
O caso teve início na última terça-feira, 23 de outubro, com a entrada irregular dos agentes na universidade. De acordo com os fiscais do TRE, a magistrada, por meio de um “mandado verbal” – instrumento inexistente no ordenamento jurídico brasileiro –, solicitou que averiguasse a existência de possível material político-partidário dentro da faculdade.
Na decisão de Maria Aparecida da Costa Bastos, que difere do mandado oficial – este não foi apresentado em nenhum momento –, a juíza afirma que há “diversas notícias de fatos relatando a prática, em tese, de propaganda eleitoral e irregular” no local. Ainda na decisão, Bastos justificou a fiscalização diante de uma “distopia simulada nos impressos de propaganda negativa contra o candidato Jair Bolsonaro”, ainda que os materiais existissem, a priori, “em tese”. Segundo Ricardo Corazza Cury, professor de Direito Constitucional da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), esse trecho da decisão denota que a juíza “já tinha um pré-julgamento sobre a questão. Denota certa ausência de imparcialidade, o que é muito grave para um magistrado”.
Ontem (25), o TRE-RJ enviou uma nota ao Justificando para explicar os fatos. Segundo o documento, os fiscais não foram ao local exclusivamente para retirar a bandeira, mas para apreender materiais político-partidários, que, ”em tese”, como justifica a decisão posterior da juíza, poderiam ser encontrados no local. Ao encontrarem alguns impressos, associaram o “fascista” da bandeira ao presidenciável do Partido Social Liberal Jair Bolsonaro.
De acordo com o diretor, em nenhum momento da ação os agentes apresentaram um documento oficial, necessário para entrar na universidade. Os agentes, além de não possuírem comprovativos, também questionaram os professores sobre o conteúdo das aulas, fotografaram o centro acadêmico e retiraram a bandeira. Esta voltou a ser colocada após o ocorrido por determinação do diretor e pelos estudantes. Logo após, a juíza determinou a prisão do diretor caso a bandeira não fosse retirada novamente.
“Eu gostaria sinceramente de saber qual é a candidatura que se sentiu atingida. Para isto, teria que se assumir como fascista. Eu gostaria de saber porque eles entraram, afrontaram a aula dos professores. Isso fazia parte do mandado verbal da juíza?”, questionou o professor titular. Para ele, o ocorrido configura uma ameaça ao Estado de Direito.
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Segundo Cury, a faixa não tem uma correlação com um eventual material apreendido no centro acadêmico. “Dizer que o curso é antifascista independe das candidaturas, não configura uma campanha política-partidária, por isso não poderia ser retirada”, afirma.
Do ponto de vista eleitoral, explica o constitucionalista Ricardo Cury, a universidade pública é um bem público e, como tal, não pode ser utilizada para manifestação política, partidária e eleitoral. Contudo, o centro acadêmico, como parte independente da faculdade, “é um espaço de plena e irrestrita liberdade dos estudantes, dos acadêmicos”. Por tal motivo, os agentes do TRE também não poderiam adentrar a área.
Para Cury, ocorrido é uma conjunção de equívocos. “Mandado verbal, algo que não existe, abuso dos fiscais, ingresso no centro acadêmico, o recolhimento da faixa que não fazia menção a nenhum candidato. Para mim, todo esse conjunto reunido configura um Estado de Exceção, conceito oposto ao Estado de Direito”, afirma.
A Defensoria Pública da União, por meio da Defensoria Regional de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, solicitou que os reitores e diretores das universidades “assegurem a livre iniciativa de seu corpo docente, discente e servidores na promoção e efetivação do princípio da autonomia universitária, referente a qualquer manifestação de ideias”. Até a manhã desta sexta-feira, 26 de outubro, aproximadamente 25 universidades foram alvos desse tipo de operação do TRE.
Leia abaixo a nota do TRE-RJ:
“O Juízo da 199ª Zona Eleitoral informa que, antes de ser retirada a faixa com os dizeres “Direito UFF Antifascista” da facChada do campus de Direito da Universidade Federal Fluminense, na noite do dia 23, a equipe de fiscalização da propaganda eleitoral de Niterói constatou, no Centro Acadêmico (CAEV), “a existência de adesivos, panfletos e cartazes afixados em paredes e móveis (armários) contendo mensagens com conteúdo político-eleitoral de apoiamento ao presidenciável Fernando Haddad e de rejeição à candidatura de Jair Bolsonaro.”
De acordo com o Juízo da 199ª, “em razão de o material de propaganda eleitoral negativa ter sido encontrado dentro do edifício da Faculdade de Direito, considerou-se que a faixa afixada na fachada do prédio contendo os dizeres ‘Direito UFF Antifascista’ possuía conteúdo político-eleitoral, na medida em que se voltava contra o ‘fascista’ e não contra o ‘fascismo’.”
O Juízo da 199ª Zona Eleitoral esclarece ainda que “a equipe de fiscais não compareceu à UFF específica e exclusivamente para retirar a faixa com os dizeres ‘Direito UFF Antifascista’, que, à primeira vista, poderia parecer não apresentar conteúdo político-eleitoral”, e que “somente após ter sido encontrado o material irregular de propaganda eleitoral dentro da universidade é que foi possível estabelecer o contexto no qual ficou claro o seu sentido político-eleitoral, considerando que ela se voltava contra o ‘fascista’, identificado nos impressos de propaganda negativa como o presidenciável Jair Bolsonaro.”
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