Após uma semana de visita in loco no Brasil para averiguar a situação dos direitos humanos no país, a comitiva da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) divulgou, nesta segunda-feira, 12, um relatório com observações preliminares. A avaliação da Comissão levou em conta diversas temáticas, da violência no campo à perpetuação do trabalho escravo, da migração aos defensores de direitos humanos, das pessoas privadas de liberdade ao combate ao discurso de ódio.
A Comissão realizou uma série de reuniões com movimentos sociais, poder público e sociedade civil para obter um diagnóstico de violações de direitos em oito Estados brasileiros (BA, SP, RJ, MG, PA, MA, RR e MS), além do Distrito Federal. A percepção inicial é de que houve um retrocesso na garantia de direitos nas mais diversas áreas. A partir dessa análise, a CIDH elaborou 71 recomendações ao Brasil, que também serão incluídas no relatório final, ainda sem previsão de divulgação.
Leia aqui o relatório preliminar na íntegra.
Há 25 anos a CIDH não realizava uma visita ao Brasil com tamanho grau de complexidade. Para a inspeção deste ano, foram destacadas seis delegações com a participação de diversos comissionados, sob a liderança da Presidenta Margarette May Macaulay. “A visita da CIDH acontece em um momento importante para a garantia dos direitos humanos no Brasil. A análise sobre as violações e as recomendações que serão enviadas pela Comissão em seu relatório final, a partir de informações coletadas no terreno, servirão como instrumentos norteadores para o fortalecimento de políticas públicas de defesa de direitos”, comenta Jefferson Nascimento, assessor do programa de Desenvolvimento e Direitos Socioambientais da Conectas.
“Além disso, como órgão principal na promoção e defesa de direitos humanos nas Américas, a CIDH tem o importante papel de monitorar a efetivação dos compromissos internacionais assumidos pelos países da região nessa temática, acompanhando casos de violações graves e sistemáticas dessas garantias, que afetam de forma mais intensa grupos vulneráveis da sociedade”, complementa Jefferson. Confira abaixo algumas das recomendações apresentadas pela CIDH:
Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos:
Fortalecimento estrutural e orçamentário do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, garantindo a implementação de medidas efetivas e eficazes de proteção;
Povos originários e quilombolas:
Garantir que os povos afrodescendentes tradicionais quilombolas, povos indígenas, camponesas e camponeses possam usar e desfrutar de seus territórios historicamente ocupados, implicando o seu reconhecimento, titulação, delimitação e demarcação por meio de procedimentos especiais e com a participação de tais grupos;
Racismo institucional:
Implementar políticas públicas para abordar a questão do racismo institucional.
Violência policial:
Assegurar a reparação adequada, rápida e abrangente para todas as vítimas de violência policial e seus familiares, incluindo apoio financeiro, assistência médica e psicológica, bem como medidas que evitem a sua revitimização;
Fortalecer os mecanismos de controle formal (Corregedorias, Ouvidorias e Inspeções), com capacidade para conduzir processos de correção transparentes, de forma autônoma e para combater abusos ou desvios de poder;
Trabalho escravo:
Fortalecer a política pública de erradicação de trabalho escravo, oferecendo condições materiais para as operações do Grupo Móvel de Fiscalização e proporcionando a publicação periódica do cadastro de empregadores flagrados por exploração de mão de obra escrava (“lista suja”);
Encarceramento em massa:
Adotar as medidas judiciais, legislativas, administrativas e outras necessárias para reduzir a superlotação e aplicar a prisão preventiva de acordo com os princípios de excepcionalidade, legalidade, proporcionalidade e necessidade;
Promover a aplicação de medidas alternativas à privação de liberdade, incorporando uma perspectiva de gênero e abordagens diferenciadas;
Política de drogas:
Criar uma política sobre drogas com uma abordagem integral e de reinserção social, para que o tratamento de pessoas que tenham sido presas por uso ou posse de drogas, ou que tenham cometido crimes menores devido ao seu uso problemático ou dependente, não seja feita a partir de uma perspectiva repressiva e criminalizadora, mas por uma abordagem de saúde pública;
Refugiados:
Garantir o reconhecimento do status de refugiado às pessoas venezuelanas com um temor fundado de perseguição em caso de retorno à Venezuela, ou que considerem que sua vida, integridade ou liberdade pessoal seria ameaçada devido ao fundado temor de perseguição baseada em raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, bem como à situação de violência, a grave e generalizada violação dos direitos humanos e graves perturbações da ordem pública;
Segurança Pública:
Desenvolver um sistema de segurança pública eficiente, avançando de forma prioritária a redução das altas taxas de homicídios e crimes violentos no país, e programas de prevenção da violência;
Manifestações:
Garantir que nos protestos e manifestações sociais que ocorrem no exercício do direito à reunião e manifestação pacífica no Brasil, os manifestantes tenham seus direitos à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal protegidos.
Discriminação:
Abster-se de produzir regulamentos discriminatórios ou ter efeitos discriminatórios sobre diferentes grupos de uma população no exercício de seus direitos; Combater práticas discriminatórias em todos os níveis, especialmente em órgãos públicos.
Discurso de ódio:
Garantir que a legislação para sancionar o discurso de ódio, que constitui incitamento à violência contra as pessoas por motivos discriminatórios, esteja de acordo com o artigo 13.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e com os princípios e padrões estabelecidos pela Comissão e Corte Interamericanas.
Preservação de direitos:
Abster-se de adotar políticas, medidas e sancionar normas jurídicas que resultem em regressividade dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais.
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