Onde está a classe trabalhadora na reforma trabalhista?
Os dias atuais estão marcados por intensas mudanças nas relações de trabalho no Brasil. Possivelmente, o ano de 2017 será lembrado como o ano de sofridas derrotas para a classe trabalhadora, principalmente entre os trabalhadores mais pobres. As perdas começaram quando o Governo Federal e o Congresso Nacional aprovaram mudanças na legislação trabalhista, ocasionando um desmonte dos direitos sociais e trabalhistas construídos no decorrer de um século.
“Uma Ponte Para o Futuro”, elaborado pelo atual Movimento Democrático Brasileiro, antigo PMDB, em 2015, é o documento que dá suporte às muitas e profundas mudanças percebidas atualmente no contexto social, econômico e político no País. As modificações foram possibilitadas de preferência pelo apoio do “mercado” a uma ideologia política de desprestígio com as classes trabalhadoras mais vulneráveis. São mudanças significativas como privatizações e concessões à iniciativa privada, reforma do ensino médio, política econômica ortodoxa, tentativa da reforma da previdência e reforma trabalhista, Lei 13.467, de 2017, sendo essa última o objeto deste artigo, principalmente no que se refere às suas implicações para classe trabalhadora desfavorecida.
A hipótese é que a reforma, ao mesmo tempo, legaliza práticas já existentes no mercado de trabalho e possibilita um novo leque de opções aos empregadores para adaptar a força de trabalho mais vulnerável de acordo com as suas necessidades. Não bastasse as perdas de direitos trabalhistas, há uma tentativa de esvaziamento da organização sindical dos trabalhadores entendida como classe, na medida em que se tende a predominar uma organização mais descentralizada e articulada com os interesses das empresas.
A análise das mudanças trazidas com a reforma é feita aqui por meio da averiguação de sua contribuição para aumentar a proteção social e redistribuição de renda entre os trabalhadores ou para facilitar a liberdade das empresas em determinar as condições de contratação, uso e remuneração do trabalho.
Principais mudanças trazidas com a reforma
A opinião de muitos pesquisadores e juristas é que não se trata somente de uma simples reforma, mas de um desmonte de direitos, pois são alterados 201 pontos da legislação trabalhista, na maior das partes em desfavor do trabalhador hipossuficiente (Souto Maior e Severo, 2017). Seguem alguns dos conteúdos alterados em relação aos direitos:
A fragilização da representação trabalhista (organização sindical)
Com a nova legislação aprovada não houve propriamente uma reforma sindical. No entanto, muito do sistema de organização sindical e representação coletiva dos trabalhadores foi afetado direta e indiretamente. É nítido o enfraquecimento da representação trabalhista pelos sindicatos por conta de se tentar estabelecer um processo de descentralização na definição das regras que moldam as relações de trabalho. Seguem as principais mudanças relacionadas:
É notório que a abrangência e profundidade da reforma trabalhista demonstram um rumo dedicado ao padrão de regulação privada, em detrimento do padrão de regulação social do trabalho no Brasil. A regulação privada possibilita um desmonte dos direitos trabalhistas porque os deixa à mercê dos caprichos do “mercado”, tornando-se um verdadeiro deleite à classe empregadora. É um padrão que busca juntar o padrão de regulação do trabalho à lógica da acumulação capitalista almejada pelo mercado financeiro internacional e pelas oligarquias nacionais.
A tendência à introdução de modalidades de contratações atípicas e da terceirização, podendo ser utilizadas de forma indiscriminada e em qualquer setor econômico, se concretiza a partir de novas formulações de uma jornada despadronizada. Esta se molda às necessidades do capital, culminando na fragilização da ação coletiva, em remunerações variáveis, de forma a reduzir o mundo do trabalho à individualização das relações de trabalho. Toda essa sequência de transformações podem ser balizadas pela regulação privada ou pela tendência a forçar um processo de mercantilização da força de trabalho (Hyman, 2005).
Na prática, não há evidências de que a reforma possibilitará supostos bons resultados, como melhorias nas condições de competitividade e produtividade da economia, com efeitos sobre a geração de emprego. O que se pode esperar, no máximo, é que ela reforce o posicionamento do Brasil em se inserir na economia globalizada, com base em uma competitividade desonesta, na qual saem prevalecidos os baixos salários e pequena proteção aos trabalhadores.
A questão da produtividade do trabalho é muito mais complexa do que uma reforma direcionada apenas à redução dos custos. Para além de tais custos, salário também significa demanda por bens e serviços. Assim, sua redução, do ponto de vista macroeconômico, pode ter reflexos negativos na ativação da economia. A reforma trabalhista traz consigo um projeto de país que alija as instituições que são responsáveis pela luta por uma distribuição menos desigual da renda gerada e que realizam um contraponto à força dominante do capital, que são os sindicatos.
O posicionamento claramente vencedor de raiz liberal, de acordo com as transformações subjacentes à reforma trabalhista, tenta desqualificar as resistências ao processo de “modernização” guiado pelo mercado e, ao mesmo tempo, argumenta contra “a alegada futilidade de um intervencionismo reacionário” (Polanyi, 2000, p. 55). Os ensinamentos do historiador da economia Karl Polanyi mostram que se trata não da defesa do progresso social de justiça econômica, mas do progresso social de justiça privada e seletiva, dando para a legislação reguladora um aspecto de ineficiência.
Deste modo, a reforma trabalhista desvela a ideia de que os interesses privados prevalecem sobre direitos coletivos consagrados dos trabalhadores, perdendo-se muitas vezes a própria noção de justiça, um sinal evidente da inadequação da legislação.
Não obstante o Brasil não ter passado por um período de regulação pública do trabalho, uma vez que mesmo existindo uma ampla legislação, as condições corriqueiras do cotidiano do mercado de trabalho sempre foram muito desgastantes para os trabalhadores, a atual reforma trabalhista significa um retrocesso social e não prepara o país para enfrentar os desafios do futuro do trabalho.
Susana Kelli Cabral de Aquino é graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE), economista pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e mestra em Ciências Políticas com ênfase em Políticas Públicas Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
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