Imagem: ilustração de Ahmet Sari, Crime scene investigation.
Por Mariane Novaes de Campos
Entender os métodos repressivos que nos moldam e nos tutelam é o ponto de partida para entendermos o núcleo social no qual estamos inseridos e, excepcionalmente, marginalizados. Por longo dos séculos, o homem mantém a punição como regra de compensação aos fortuitos nascentes que atingem e/ou desestruturam a corrente monopolizadora social. O mal feito do homem pode ser visto por diversas correntes filosóficas, jurídicas e sociológicas, sendo certo que a sua exteriorização é una, ou seja, a predisposição daquilo que nasce bom e pode se tornar ruim, é uno.
Raciocínio pautado a partir do breve ensinamento de que “o homem é uma corda, atada entre o animal e o super-homem – uma corda sobre o abismo” assim definido por Nietzsche, posto que, embora existam definições de suas várias faces, todas são uniformes ao estado padrão da natureza humana.
O abismo natural é a sociedade, isto é, não sabemos o lugar de estar, tampouco, de ser. Mas sabemos encarcerar o que está sendo ou o que já foi. O encarceramento humano, seja físico ou emocional, é defendido pelo senso-comum como o meio efetivo para impedir que delitos ocorram ou que o homem apresente suas predisposições naturais e lance a sua corda nietzschiana.
Acreditar que a punição seja o meio efetivo para tutelar o ambiente em que vivemos é fortalecer a vingança como afago solucionador de dissabores emocionais experimentados e não entendidos. Deste modo, a ações internas interligam as ações externas e, se uma sociedade não vai bem consigo mesma, logo, não irá bem com nenhum outro grupo integrativo, ocasionando o surgimento das marginalizações e a necessidade de culpabilizar uma explosão externa que se alimentou da instabilidade e dos conflitos sociais por um bom tempo ou desde a sua trajetória vivencial.
Outrossim, não há catástrofe ou dores sem a influência e atuação mediata da sociedade. Se formamos o nosso caráter através da construção do grupo em que vivemos, os grupos do qual não estamos inseridos e que são marginalizados afetarão e desestruturarão a essência coletiva, visto que tais células se tornarão improdutivas em prol de sua sobrevivência, beirando ao próprio extermínio.
De tais assertivas, resultamos que todo delinquente apresenta sinais e que todos nós somos passíveis de tornarmos delinquentes, mesmo porque a delinquência é um ato esquizofrênico de algo que não vai bem e não foi bem desde o início, padecido de contemplação.
Pois bem, ao indicarmos uma causa delinquente, nos colocamos em privilégios morais e éticos que a pessoa do delinquente não comporta ou não ostenta desde que sua afirmação social foi negada, mas se formos avaliar tais cenários, podemos destacar que mesmo o pior dos delinquentes possui as mesmas predisposições daqueles que não foram alcançados pela criminalidade, ao passo que suas diferenças respaldam na sociabilidade.
O que limitaria o ‘eu’ para não cometer delitos? E qual a limitação daquele que já o fez? Para analisarmos o paradoxo da vontade, mister assinalar o entendimento aristotélico do “ato” e “potência”, ou seja, o ato é considerado o fim a ser atingido pela potência e esta, por sua vez, visa atingir opostos e diferentes.
Não nos parece ilógico a responsabilização una ao ser transgressor? Se a suas predisposições estavam associadas ao núcleo em que vivia, logo as suas ações também eram reflexos ou achados de ações oriundas de outros seres dito não-transgressores.
Também não se trata de culpabilidade ou a ausência desta, mas de entendermos todo o conjunto que comporta o ato e a sua potência, bem como as ações que as antecedem e incrivelmente ou fatidicamente surgem através de cada ser que segue as regras de seu meio e, muito embora a responsabilização recaia somente sobre o ser que exterioriza a potência dos demais, a transgressão não surgiu só, apenas se alimentou de traços que o visível conseguiu captar.
E o invisível que se encontra dentro do núcleo social? Não há como definir as motivações enquanto os delinquentes forem classificados hierarquicamente e de modo análogo à visão de Karl Marx no que toca à divisão de classes.
As desigualdades sociais, infelizmente, afetam a efetivação da ressocialização proposta pelo nosso sistema penal, falido e ultrapassado. Os bens que se procuram tutelar não são a vida da vítima ou do criminoso, mas sim o bem patrimonial que foi lesado, o que causa reflexos na bolsa de valores do empresário e no proveito econômico alimentado pela criminalidade.
Há também que se falar das transformações que a sociedade causa ao indivíduo. E não é oportuno analisar a transgressão apenas em seu resultado potencializado, mas através de todo o contexto e readaptações harmônicas (ou não) que recaem sobre as marionetes governadas por um ente invisível que nos propomos ser.
Portanto, a punição carreada à pena é apenas um método contraceptivo para não inflar o início de uma guerra, bem como tornar o dano socialmente suportável. Todavia, os danos não são mais suportáveis e a falha social abre alas para a autotutela, bem como ao clamor pela liberdade de armamento frente a esquizofrenia coletiva que temos alimentado.
Mariane Novaes de Campos é Graduanda em Direito pela Faculdade Católica Rainha da Paz – Mato Grosso
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Referências:
BENOT, Blaise; O problema da Justiça; Cadernos Nietzsche; n. 26, 2010.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução de Roberto Machado. 8ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989, pp. 179/191.
OTTOBONI, Mário. Vamos matar o criminoso? : método APAC. São Paulo: Paulinas, 2001.
CARVALHO, Amilton Bueno de. Pena de Prisão – Um olhar Crítico-Libertário. Publicado em 24 de junho de 2015. Instituto Tolerância. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=RDTTiXRiWhg>