Encarceramento, um inimigo público
Dados divulgados em abril pela Secretaria de Segurança Pública do Governo do Estado mostram que os índices de homicídio na capital aumentaram 35% com relação ao mesmo período de 2018. O maior destaque é o perfil das vítimas de homicídio, segundo as tabelas abaixo elaboradas pela CAP com base em dados do Registro Digital de Ocorrências. No primeiro trimestre de 2019, 53,2% das vítimas de homicídio em São Paulo eram pretas ou pardas. Do total, 86,2% eram homens. Isso indica o perfil étnico da parcela da população diretamente atingida pela violência.
Bruno Paes Manso, jornalista, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP e co-autor do livro “A Guerra – A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil”, argumenta que é necessário entender as razões que levam a essas taxas. Para ele, este fenômeno tem origem na autoridade e violência das instituições brasileiras, desde a família, passando pela escola, até chegar na polícia, que reproduz esta lógica contra os cidadãos.
A repressão sistemática, segundo o jornalista, decorre do crescimento urbano desordenado em São Paulo ao longo dos anos 60. Em palestra sobre criminalidade para os alunos do 12o Curso Descobrir São Paulo – Descobrir-se Repórter, Manso explicou que, no contexto da expansão das cidades e das periferias, os homicídios se tornaram uma solução para a desordem urbana, e homicidas se tornaram heróis.
Isso contribuiu para um efeito multiplicador da violência, em que a população periférica se sente perseguida pela ação das autoridades. Em seu livro, Manso destaca que “a disseminação da política de guerra reproduzia a sensação de raiva e revolta nos jovens brasileiros, facilitando a vida das organizações criminosas”. Essa juventude revoltada passou a se organizar contra a ação do estado por meio da criação de facções que, com o tempo, se mostraram como um arranjo efetivo também para as ações coordenadas e atividades econômicas, o que permitiu que se espalhassem pelo território nacional.
O advogado criminalista Gabriel Boccato ressalta que “as facções criminosas ainda combatem a atuação repressiva do Estado, mas, ao mesmo tempo, organizam-se de forma quase empresarial, auferindo lucro substancial com fontes de custeio, em regra, criminosas, tal como a comercialização de produtos ilícitos, roubos a bancos e carros- fortes, dentre outros.”
“A alteração do atual cenário passa não apenas pela cessação de atos ilegais contra a população carcerária e periférica, mas também pela inviabilização das fontes de renda das facções, visto que não seria nenhum exagero afirmar que o modelo empresarial tende a transformar a facção criminosa em um fim em si mesma.”
Tanto Manso quanto Boccato defendem que o encarceramento não é a melhor solução para a questão da violência. Isso porque o aprisionamento, além de aumentar a massa carcerária, é responsável por fazer com que o detento se sinta como criminoso e seja mais propenso a se filiar à facções. Tal mecanismo fica evidente no poder de alcance das facções entre presidiários e egressos do regime nas regiões do Brasil. No Livro “A Guerra”, Bruno Paes Manso apresenta um mapa em que chama atenção para a presença unânime da facção no território nacional. Nos estados em que a presença do PCC é menos marcante, há evidências da ação de outros grupos, como o Comando Vermelho (CV), no Rio de Janeiro. Em linhas gerais, percebe-se que o Brasil se encontra sob o comando de facções e que este movimento se fundamenta sobretudo na coordenação entre presos.
Segundo Boccato, “o Estado, como um todo, negligencia o preso e suas necessidades mais elementares, e é tal negligência é que dá azo à existência de organizações particulares, como facções criminosas, que avocam para si a função de prestar assistência aos encarcerados”. Nesse sentido, reforça-se que as ações adotadas pelo governo até o momento não tem contribuído para a reversão deste quadro, promovendo o aumento do encarceramento, celebrado por setores da sociedade. Sobre esta questão, Manso comenta que “a violência é o veneno que nos fragiliza, enfraquece e que nos mata. Enquanto o Bolsonaro propõe doses maiores disso, precisamos pensar em fórmulas alternativas.”
Isabel Santos de Magalhães Teles é formada em Direito e estudante de Jornalismo.
Edição de Caroline Oliveira.
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