Imagem: Lineu Filho
Por Martel Alexandre Del Colle
Tenho ouvido falar muito sobre greve de policiais aqui no Paraná. Aos policiais militares é proibido por lei a realização de greve. Entretanto, como classe trabalhadora, a polícia militar do Paraná aprendeu, naturalmente, a manter seus direitos.
Qualquer classe trabalhadora precisa de mecanismos para manter seus direitos dentro de um sistema capitalista, ou será levada a um regime análogo a escravidão. A classe dos oficiais faz isso se aliando com os políticos que estão no comando do Estado e agem para que ele tenha liberdade de ação contra as outras classes trabalhadoras. Com isso, o governo perde o poder de prejudicar os oficiais, e ganha os oficiais para assegurar que ele possa prejudicar todas as outras classes trabalhadoras – incluindo soldados. Qual a ferramenta que a polícia tem para permitir a restrição de direitos das outras classes? A força.
Isso ficou bem claro no dia 29 de abril de 2015. Quando a polícia militar do Paraná foi utilizada para garantir que direitos fossem retirados das outras classes.
O boato da greve em 2019 tem 2 motivos. O primeiro é uma defasagem nos salários de oficiais e praças devido a inflação que não está sendo corrigida no estado. Pauta legítima. Mas que deve ser olhada de maneira sincera. O prejuízo dos soldados é muito maior do que dos oficiais. Perder 10% num salário de 10 mil é muito menos impactante do que perder 10% num salário de 3 mil. Mesmo que o valor do primeiro seja maior, o impacto na qualidade de vida é muito diferente.
Agora, a segunda pauta mostra um quadro preocupante. A greve, dessa vez, era fomentada pelos oficiais e não pelas praças. Algo muito estranho. E o motivo apresentado é que o governador Ratinho Jr. deu diversos cargos para oficiais do exército brasileiro em seu governo. Cargos estes que eram dados a oficiais da polícia militar anteriormente.
Por que isso é preocupante? Vamos aos fatos. O Estado do Paraná está abarrotado de oficiais da ativa e aposentados em funções diversas daquelas inerentes ao serviço de polícia militar. O governador colocou militares aposentados em quase todos os cargos. Muitos desses oficiais já ganhavam salários de quase 20 mil reais e agora tem um bônus de mais 7 até 20 mil para cumprir uma função na qual não são especialistas. Eu me pergunto por que uma pessoa que tem uma aposentadoria de quase 20 mil fica advogando em causa própria e fazendo conluios políticos para conseguir um cargo e ganhar mais uns 10 mil. Sei que, para alguns, dinheiro nunca é demais. E que também pouco importa pegar uma função na qual não se é especialista e afundar mais uma parte do governo na incompetência, além de tirar o salário de uma pessoa competente. Mas acho que tem mais coisa aí. Eu chuto que seja um problema de ego com o qual alguns oficiais da polícia militar sofrem. Acho que esses tipos de oficiais passam tanto tempo tendo os seus egos inflados nos quartéis que se tornam insuportáveis para a família, que, por sua vez, implora para que eles peguem mais algum cargo para não ficarem em casa.
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Outro ponto que é preocupante é que a polícia militar do Paraná já passou por situações muito mais graves, e os oficiais nunca ameaçaram fazer greve. Já tivemos policiais trabalhando com os coletes balísticos vencidos, já tivemos falta de viatura para atender a população com qualidade, temos taxas de suicídio altas, temos policiais executando e torturando pessoas em filmagens. E em nenhum desses casos os oficiais da polícia ameaçaram uma greve.
Vamos mais longe. O governo federal quer cortar verbas da educação, destruiu os direitos trabalhistas dos cidadãos, quer aprovar uma reforma que obrigará o povo a trabalhar até a morte, e eu não vi os oficiais da polícia militar ameaçando uma greve.
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Eu sempre me pergunto quando foi que a polícia se perdeu tanto? Eu entrei para a polícia para salvar vidas. E quando entrei, para mim, não fazia diferença ser bombeiro ou policial militar. Então tentei concurso para bombeiro, mas não passei. Um oficial ficou sabendo e ficou muito ofendido. Como é que eu tive coragem de pensar em abandonar a polícia e ir para o bombeiro, se os oficiais da polícia são superiores aos do bombeiro? E essa visão de que o mais importante é a instituição e não a nação não é algo raro. É a norma, na realidade. E não estou dizendo que os oficiais do bombeiro não sofrem do mesmo mal. Se o caso fosse o inverso, a fala, provavelmente, seria a mesma.
Achei que a polícia queria proteger a nação e seus cidadãos, mas ela não está nem aí para o povo. Ela salva pessoas, mas quer aplausos. Não salva porque acha que é necessário, salva para poder jogar na cara, “não gostou chame o batman”. Ela não olha para o sem terra como um cidadão, mas como um terrorista. Ela olha para o estudante como um vagabundo que só quer usar drogas. Ela olha para o usuário de drogas como um marginal que precisa ser tirado de circulação. Ela olha para o favelado como o culpado pela desgraça do seu ambiente. Ela olha para o manifestante como um agressor em potencial, alguém que vai abalar a ordem social e que pode mexer na genética social de classes. É sempre bom lembrar que uma das verdadeiras razões para o golpe de 64 foi que Goulart queria autorizar os sargentos do exército a se candidatarem para cargos eletivos. Isso gerou uma revolta dos oficiais que jamais aceitariam um subordinado subindo as escadas sociais e políticas. Pergunte a um oficial sobre carreira única e você entenderá melhor do que estou falando.
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Essa polícia serve a quem, então?
Eu não sei quando a polícia se tornou esse órgão, mas realmente não é nele que eu quero estar. Já disse que serei sempre policial, mas um policial de verdade.
Lembro-me de um garoto da minha turma que foi questionado por um superior: “você entrou na polícia para ser policial ou para ser oficial?”
Ele responde, “oficial, senhor”.
O superior elaborou melhor o questionamento: “Quando eu digo oficial, eu quero dizer o salário, o prestígio, a arrogância. Quando eu digo policial, eu quero dizer o desejo de ajudar o povo, salvar vidas, fazer um Estado melhor. Você quer ser policial ou oficial?”
A resposta foi: “Oficial, senhor”.
Queria que essa fosse a exceção. A polícia tem mostrado que essa é a regra.
Martel Alexandre del Colle tem 28 anos e é policial há 10 anos. É aspirante a Oficial da Polícia militar do Paraná.
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