Imagem: Arquivo/Agência Brasil
Por Ana Luiza Voltolini Uwai
Comunicado recomenda que Juízes e Juízas da área criminal “analisem as circunstâncias específicas de cada caso, discriminando as situações em que a presa poderá deixar a residência”
Em fevereiro deste ano, o Instituto Terra Trabalho e Cidadania – ITTC, junto a outras entidades, enviou um ofício à Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, para tratar das resistências do judiciário em aplicar a prisão domiciliar para mulheres presas provisoriamente e que se encaixam nos critérios do Marco Legal da Primeira Infância. Participaram da articulação o Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado, a Associação de Familiares e Amigos de Presos e Presas – AMPARAR, e vereador Eduardo Suplicy, através do coordenador especial de gabinete Giordano Morangueira Magri.
Em reunião realizada em março junto à Corregedoria, foram apresentados dados da pesquisa Diagnóstico da Aplicação do Marco Legal da Primeira Infância, realizada pelo ITTC, e casos acompanhados pela Defensoria Pública do Estado, demonstrando a necessidade de que magistradas e magistradas tomem conhecimento das inovações legislativas sobre o tema (especialmente a Lei n° 13.769/2018), e envidem esforços para efetivar o cumprimento do HC Coletivo do STF.
Além de apontar os limites da lei, na reunião foi debatido que, nos casos em que há a concessão da prisão domiciliar, não ficam claros os parâmetros para seu cumprimento. Se a mulher permanece em casa, sem poder trabalhar para sustentar os filhos, sem poder levá-los à escola ou ao médico, sem poder ir ao mercado para comprar os itens necessários aos cuidados domésticos, entre outras atividades, inviabiliza-se que ela possa exercer os cuidados dos filhos e filhas, que é justamente o objetivo do Marco Legal.
Diante disso, recentemente, a Corregedoria emitiu um comunicado recomendando aos Juízes e Juízas que atuem na área criminal, “analisem as circunstâncias específicas de cada caso, discriminando as situações em que a presa poderá deixar a residência, tais como para realização de acompanhamento pré-natal, no caso das gestantes, ou para cuidados médicos ou de educação de filhos, por exemplo”.
Mães encarceradas: apesar de contrariar STF, TJSP negou 85% dos pedidos de prisão domiciliar
Trata-se de um importante passo para conferir maior eficácia ao instituto da prisão domiciliar. Segundo o Defensor Público Leonardo Biagioni, Coordenador Auxiliar do Núcleo Especializado de Situação Carcerária: “Creio que o comunicado enviado pela Corregedoria Geral de Justiça seja importante para que os juízes percebam a existência dessa demanda, ao que parece, até então, invisibilizada pelo Poder Judiciário e, então se garanta direitos às mulheres e seus filhos para a realização de atividades diárias, que, inclusive, são necessárias para o exercício da maternidade, sem a necessidade de um novo pedido judicial”.
O Marco Legal tem tido pouco impacto para o desencarceramento feminino. Em que pese suas potencialidades, há ainda muitos obstáculos para sua concretização. Mesmo com a decisão do Min. Lewandowski, muitas mulheres seguem presas, tendo violado o direito ao pleno exercício da maternidade e a proteção integral da criança – a quem não deveria ser estendida a pena da mãe. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN apenas 1% das mulheres que seriam potenciais beneficiárias da prisão domiciliar tiveram o direito concedido pela Justiça entre fevereiro e outubro de 2018.
A maternidade é incompatível com o cárcere, e o ITTC atua em defesa de medidas desencarceradoras, por entender que a prisão não é apta a enfrentar os problemas sociais estruturais que vivemos em nossa sociedade. Saiba mais sobre o tema em: mulheresemprisão.org.br
Confira a íntegra do comunicado:
COMUNICADO CG 520/2019
(Processo nº 2018/29865)
A Corregedoria Geral da Justiça, CONSIDERANDO a vigência da Lei n° 13.769, de 19 de dezembro de 2.018, abaixo transcrita, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal e da Lei de Execuções Penais, RECOMENDA aos Excelentíssimos Senhores Juízes de Direito que atuem na área criminal que ao ensejo da concessão de prisão domiciliar a mulheres gestantes ou que forem mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência, analisem as circunstâncias específicas de cada caso, discriminando as situações em que a presa poderá deixar a residência, tais como para realização de acompanhamento pré-natal, no caso das gestantes, ou para cuidados médicos ou de educação de filhos, por exemplo, se imprescindível.
Ana Luiza Voltolini Uwai é jornalista e integra o núcleo de Comunicação e Advocacy do Centro de Convivência É de Lei
Assinando o plano +MaisJustificando, você tem acesso integral aos cursos Pandora e ainda incentiva a nossa redação a continuar fazendo a diferença na cobertura jornalística nacional.