Imagem: Agência Brasil
Por Maciana Freitas e Souza
Entender a constituição da sociedade é essencial para a compreensão do modelo de controle social brasileiro.
Significa reconhecer a dinâmica das relações sociais, a produção de normas sociais e as relações de poder que se manifestam nas situações. Desse modo, precisamos pensar no papel e responsabilidade do Estado no que se refere ao aumento da violência.
Na contramão de uma cidade que favorece a participação política e o protagonismo infanto juvenil nos contextos de alta vulnerabilidade, o Rio de Janeiro é uma cidade que historicamente a violência estatal faz parte de sua dinâmica social, são diversos os mecanismos que contribuem nas situações de segregação dos sujeitos. Por isso, considerando esse acontecimento, precisamos refletir sobre o papel estatal e as interfaces que são produzidas no campo das práticas de segurança pública. De acordo com a plataforma Fogo Cruzado[1], Ágatha foi a 5º criança vítima de violência letal neste ano na cidade do Rio de Janeiro. Na visão de Agamben[2] na política ocidental podemos notar a:
(…) a instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integrar o sistema político. Desde então, a criação voluntária de um estado de exceção permanente (ainda que eventualmente não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos. (2004, p.13)
A proposição de Agamben, a violência soberana, é entendida como um processo presente no tecido social por meio de uma lógica do Estado movida por interesses econômicos e políticos que tem como função social, determinar o controle destes sujeitos, que não têm ou nunca tiveram força contratual com as fontes produtoras (classe dominante) para “manutenção da ordem pública”. Desse modo, o enfrentamento da violência significa uma mudança substancial nas relações sociais e nas dinâmicas de poder.
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Nesse contexto, precisamos reconhecer o controle social em curso, para reafirmar nossa luta por uma sociedade justa para que todas as crianças e adolescentes possam crescer plenamente, na qual os Estados possam proteger e promover os direitos humanos, com políticas públicas e serviços de acordo com as normas internacionais, bem como agir no sentido de eliminar formas de violência e discriminação promovendo o direito à plena inclusão e participação.
Na ocorrência (cada vez mais repetida) de atos de perpetração de violências, como Mbembe[3] assinala, “o […] racismo é acima de tudo uma tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder, “este velho direito soberano de matar” (2018, p. 18) é importante notar, que as pessoas negras estão em um maior contexto de violação de direitos e mais vulneráveis a sofrer violências diversas.
Em uma perspectiva crítica, Oliveira[4] apresenta que “a violência deixou de ser um ato impensado de barbárie para se tornar produto da razão, com o suporte de conhecimento científico e técnico” (2017, p. 10). Desse modo, políticas de segurança repressivas passaram a ser adotadas, dificultando ainda mais os processos de organização e resistência aos níveis de exploração e expropriação dos direitos. Tal processo, repercute na existência de espaços de exceção e da inscrição da necropolítica na dinâmica social.
Dessa maneira, o horizonte ampliado continua o mesmo: a luta por uma sociedade em que as pessoas possam conviver em liberdade e no exercício de seus direitos. Guimarães Rosa estava certo, “a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. É preciso coragem para lutarmos juntos com vistas a criação de ações que possam construir respostas concretas no enfrentamento a violência com base no referencial de direitos humanos.
Maciana Freitas e Souza é escritora e bacharela em Serviço social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
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Notas:
[1] https://fogocruzado.org.br/
[2] AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
[3] MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Tradução de Renata Santini. São Paulo: N-1 Edições, 2018.
[4] OLIVEIRA, Graziela de. Jovens Negros no Brasil: Civilização e Barbárie. São Paulo: Cortez Editora, 2017.