Imagem: Desembargador do TJSP Ricardo Dip / Arte: Gabriel Pedroza / Justificando
Por Mariane Novaes de Campos
O Direito como uma atitude de poder não está à mercê das interpretações positivadas, não está adstrito à lei “crua”.
Antes de a lei ser positivada, ela foi fruto de transformações sociais, um resultado do agir social. Houve movimentações e contextos históricos que motivaram a existência de uma normativa, seja para reprimir, regular ou garantir.
Escolher a cegueira dos movimentos dos corpos sociais seria não entender o Direito e aplicá-lo em sua maior bestialidade. Como me tornar legítimo para aplicar uma normativa da qual não sei a sua origem, tampouco vivi a experiência social que a desencadeou?
Não se trata da obrigatoriedade de vivências/conflitos, mas de uma sensibilidade para entender o raciocínio social, sob pena de validar aquilo que não é, tampouco parece ser e está sendo porque o aplicador quis assim, um querer formulado a partir de uma realidade que jamais alcançará os corpos sentenciados.
Talvez o Direito esteja preocupado com a perda, a falta, ignorando a sua essência de soma e principalmente, de revolução. É como se apenas uma face fosse legítima, enquanto a outra tivesse que ser demonizada para agradar aqueles que o transforma em instrumento de autopromoção e proteção.
Problemática maior quando a subjetividade do julgador abocanha o Direito e o devolve mastigado com óticas da consciência particular, isto é, o dever-ser do Direito a partir da identidade moral do juiz.
Lênio Streck tece importante crítica/reflexão em sua coluna “Senso Incomum” quando analisa uma entrevista do desembargador Ricardo Dip do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual manifestou a defesa de decisões pautadas a partir da ciência e da consciência, excluindo a essência política e institucional.
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Em qualquer contexto ou ambiente social, qual estudante de direito ou cidadão comum nunca ouviu a seguinte afirmativa quando alguém é indicado para a berlinda do judiciário: “Espero que encontre um juiz bonzinho porque se for linha dura, está ferrado”.
A cultura de construir figuras judiciárias boas ou ruins viola a finalidade do Direito, extirpando o seu sentido, reduzindo-o ao que a subjetividade possa definir como decisão. E a subjetividade é pautada pelo conservadorismo, isso porque as decisões que buscam a aprovação popular e que defendem a manutenção da ordem e da moral não são questionadas socialmente, pelo contrário, são aplaudidas com direito à uma curta-metragem no Jornal Nacional.
Essa maquiagem busca invisibilizar as periféricas realidades sociais, e aí nos questionamos, a segurança jurídica seria formar uma ordem que não reveste Direito para todos os corpos moldados pelo sistema?
Se estamos à mercê da esperança de cairmos em um órgão julgador bonzinho, o poder da autotutela teria apenas se potencializado, jamais sido expurgado do ordenamento jurídico, ainda que permitido nas hipóteses excepcionais.
Estamos sendo monitorados por consciências e subjetividades que não sabemos da onde vem, como são e o que desejam, pois se precisamos nos preocupar com o achado da sorte para respirar garantias e direitos, não estamos remotos à inquisição da toga.
Mariane Novaes de Campos é Graduanda em Direito pela Faculdade Católica Rainha da Paz – Mato Grosso.
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Referência:
STRECK, Lênio Luiz. O “decido conforme a consciência” da segurança a alguém. Acesso em 22 de setembro de 2019.