Imagem: Antonio Cruz / Agência Brasil – Arte: Gabriel Pedroza / Justificando
Por Joao Victor Archegas
Em 2016, Fabiana Luci de Oliveira e Luciana Ramos publicaram no portal JOTA o texto “Conhecer o STF é confiar nele?”. As autoras sugerem, através da análise dos resultados da pesquisa ICJBrasil da FGV Direito SP, que quanto mais se conhece o STF, melhor a avaliação de seu desempenho. [1]
Sobre a atuação do STF no processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, por exemplo, aqueles que declararam conhecer bem o tribunal melhor avaliaram sua atuação em relação aos que afirmaram não conhecer bem a instituição. Essa aparente relação entre os dois fatores (conhecimento do tribunal e boa avaliação de sua atuação) estaria alinhada com a máxima empregada por Gibson e Caldeira; “to know the Court is to love it”. [2]
Gibson e Caldeira são proponentes da “positivity theory”, segundo a qual a exposição da corte ao público está positivamente relacionada ao aumento da legitimidade institucional do Judiciário. A hipótese aventada pelos autores – e até certo ponto comprovada empiricamente – é simples: quanto mais o público conhece o tribunal, mais ele será exposto aos símbolos de imparcialidade que emanam de seu processo decisório e, consequentemente, a legitimidade institucional da corte será reforçada.
Assim, o que mais importa para a construção de legitimidade do tribunal não é a concordância do público em relação aos resultados de suas decisões, mas sim a percepção de que o processo decisório é justo e, de forma geral, desvinculado de interesses meramente político-partidários.
Em que pese o forte substrato empírico que sustenta a teoria de Gibson e Caldeira, outros autores sugerem que a equação, embora correta, estaria incompleta. Enquanto antes se pensava que “mais conhecimento significa mais legitimidade institucional”, hoje se sabe que tal relação não é exatamente linear. A “positivity theory” precisa ser atualizada.
Jeffrey Staton, por exemplo, demonstrou que transparência em excesso pode desestabilizar o processo de construção de legitimidade institucional (ou desfazer o que já estava consolidado). Quanto mais o público conhece o tribunal, mais ele será capaz de identificar atuações estratégicas por parte dos juízes, o que, por sua vez, poderá ser recepcionado pelo público como uma atitude inconsistente ou incompatível com o valor da imparcialidade judicial. [3]
Em outras palavras, o público tende a encarar a corte como legítima desde que seus juízes, ao menos em aparência, atuem imparcialmente. Conhecer mais o tribunal, assim, não levará necessariamente a uma percepção mais sólida de imparcialidade. Ou seja, a depender das circunstâncias, uma maior transparência ou conhecimento pode danificar a imagem do tribunal ou invés de beneficiá-la.
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Segundo Staton, o ambiente em que tal preocupação tende a ser ainda mais sensível é justamente aquele que o Brasil vive atualmente, qual seja, um ambiente de crise política generalizada, que apresenta aos juízes, mais do que nunca, um incentivo para atuarem estrategicamente. Em suma, a “positivity theory” é válida em condições normais de temperatura e pressão. Quando os ventos mudam de direção na arena política nacional, outros fatores devem ser levados em consideração para garantir a legitimidade institucional do tribunal.
É digno de nota que Gibson, agora escrevendo em colaboração com Nelson em 2017, reconhece a necessidade de atualizar sua teoria. Embora a discordância ideológica com as decisões da corte não afete a construção de legitimidade institucional, reforçando a defesa pela “positivity theory”, os autores aceitam que a percepção do público de que a corte atua como qualquer outra instituição política ordinária pode danificar sua legitimidade institucional. Essa percepção, ao seu turno, é produto da exposição pública das atuações estratégicas de seus juízes. [4]
O STF, assim, precisa considerar essa intrincada dinâmica, especialmente em tempos de crise política. Ser mais transparente enquanto instituição, permitindo que o público tenha um maior conhecimento sobre seu processo decisório – expondo até mesmo as intrigas e os desgastes internos entre os ministros – não significa, necessariamente, que o tribunal fortalecerá sua legitimidade enquanto instituição. Pelo contrário, o agir estratégico dos ministros, exposto em todas as suas cores através de seus poderes individuais [5], poderá criar uma imagem de parcialidade política e, por consequência, danificar sua legitimidade institucional.
Embora Fabiana Luci de Oliveira e Luciana Ramos estejam corretas a respeito da relação positiva entre conhecimento e legitimidade em tempos ordinários, em tempos extraordinários essa relação é perigosamente distorcida, especialmente para um tribunal que transmite ao vivo suas sessões de julgamento. São nesses momentos que os ministros sentirão falta de um pouco mais de controle a respeito das informações que são repassadas ao público sobre o funcionamento do tribunal.
A elevada transparência do STF pode ser uma virtude quando o Brasil pisa em terras firmes (se é que esse tempo um dia existiu ao longo de nossa complicada história político-social), mas também pode ser um perigoso vício quando a arena política implode e o tribunal sente a necessidade de agir estrategicamente. Conhecer o STF, nesse caso, é desconfiar dele.
Joao Victor Archegas é mestrando em Direito e Gammon Fellow na Harvard Law School, bacharel em Direito pela UFPR e advogado.
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Notas:
[2] GIBSON, James L. CALDEIRA, Gregory A. Citizens, Courts, and Confirmations. Princeton University Press, 2009.
[3] STATON, Jeffrey K. Judicial Power and Strategic Communication in Mexico. New York: Cambridge University Press, 2010, pp. 123-204.
[4] GIBSON, James L. NELSON, Michael J. Reconsidering Positivity Theory: What Roles do Politicization, Ideological Disagreement, and Legal Realism Play in Shaping U.S. Supreme Court Legitimacy? Journal of Empirical Legal Studies, v. 14, September 2017, pp. 592-617.
[5] ARGUELHES, Diego Werneck. RIBEIRO, Leandro Molhano. ‘The Court, It is I?’ Individual judicial powers in the Brazilian Supreme Court and their implications for constitutional theory. Global Constitutionalism: Human Rights, Democracy and the Rule of Law, v. 07, n. 02, Jul. 2018, pp. 248 – 253