Imagem: Fotógrafo/Agência
Por Luís Delcides R Silva
Liberdade de culto tolhida por lideres religiosos para ampliar seus tentáculos no poder. A Teologia do Domínio toma conta dos templos evangélicos brasileiros.
O Brasil é um país laico, pois, de acordo com a Constituição Federal, O Estado Brasileiro prega a desagregação da religião e de seus valores sobre os atos governamentais. Portanto, em uma democracia a pluralidade de crenças e valores é incalculável justamente por pousar sobre a liberdade.¹
Logo, o Estado deve se preocupar em proporcionar aos seus cidadãos um clima de perfeita compreensão religiosa, pois de acordo com o art. 5º, inciso VIII:
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Contudo, não faz sentido algum um líder religioso vir delimitar, interferir na liberdade de culto do cidadão e apresentar candidato a vereador para impor votos e discursar em meio a celebração religiosa. Muito menos criar atos de constrangimento como os acontecidos agora durante a pandemia de COVID-19, onde algumas igrejas resolveram voltar a fazer reuniões, “obedecendo” todas as regras de distanciamento e estas cometem desagravos tanto a princípios constitucionais ligados a privacidade, proteção da pessoa humana e a liberdade de crença.
Um exemplo é uma comunidade religiosa de tradição pentecostal da cidade de São Paulo resolveu usar suas redes sociais para divulgar listas de nomes que poderão frequentar as celebrações dominicais da manhã e da tarde onde seu líder recomenda a chegada a porta do templo uma hora antes para formar a fila, depois cada pessoa passar por uma mesa com vários obreiros e nesta estaria exposta uma lista para conferir se o nome consta no papel e após a checagem o sujeito poderia entrar no auditório. Detalhe: Antes de adentrar ao sacrossanto lugar, precisa passar pelo Totem de álcool gel para higienizar as mãos. Um total constrangimento a liberdade religiosa e uma forma de cerceamento a liberdade de ir e vir.
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A igreja, como ambiente educacional – sim, durante a chegada dos portugueses a igreja foi responsável pela educação e assumiu um importante papel na educação instrucional e profissional no Brasil – tem o seu papel a cumprir, especialmente no sentido de esclarecer as pessoas, abrir para a apresentação de propostas, ideias, debates e não para a manipulação do discurso como é a prática dos últimos 10 anos neste país.
O plano teve inicio em Belo Horizonte ao formalizar um grande encontro evangélico, o Congresso Nacional dos 7 montes² e seu objetivo era reunir o maior número de lideranças brasileiras para uma convocação de uma intensa mobilização em prol da necessidade da igreja avançar espaços para o “Reino de Deus”. Os organizadores chamam de “7 montes da sociedade”:1) Artes e entretenimento, 2) Mídia e Comunicação, 3) Governo e Politica, 4) Economia e Negócios, 5)Educação e Ciência, 6) Família e 7) Igreja e Religião.
De acordo com um dos coordenadores do evento, a justificativa do projeto de poder das igrejas está alicerçado nos textos bíblicos do Antigo Testamento onde encontra-se um ideário de modelo de sociedade pretendido por Deus e conter estratégias de atuação e oração para a conquista dos 7 montes.
Logo, esta prática nefasta chama-se Teologia do Domínio. Onde desde o começo da caminhada pela fé cristã, o sujeito passa a seguir a todas as orientações de seu líder religioso , inclusive com relação a vida profissional, pessoal. Dai começa-se um denso caminho de dominação do sujeito em relação ao seu líder, que torna-se uma espécie de um “guru” a ponto de dar “ pitacos” em situações comuns do dia a dia.
A “Teologia do Domínio”, criada nas igrejas americanas e adaptada por alguns pseudo-pastores nas igrejas brasileiras, começa a avançar seus tentáculos no Governo Brasileiro, especialmente neste atual, onde adotou o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” e fora o discurso da priorização da família, da moral e dos bons costumes e este colide com princípios da integração entre povos, pacificação e a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, conforme está alicerçado no art. 3º, inciso I da Constituição Federal.
Importante ressaltar que a imposição de voto por parte de líder religioso é a implantação da cultura do voto de cabresto. E, ademais, interferir nas liberdades individuais do cidadão é ferir princípios alicerçados em nossa Constituição Federal e além de interferir na liberdade individual de culto de cada um. É importante que o cidadão desenvolva essa consciência em não permitir a manipulação do discurso por parte de lideres religiosos e que outros cidadãos mais esclarecidos tomem a frente e esclareçam essas pessoas sobre a nocividade de um discurso dominador que invade os púlpitos religiosos e disfarçados de palavras de conforto e fé.
Luís Delcides R Silva é estudante de Direito pela FMU, pós-graduado lato-sensu em Marketing e Comunicação Integrada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Graduado em Jornalismo pela FIAM-FAAM. Membro dos grupos de pesquisa: Direito, Ética e Democracia, Globalização das Relações Internacionais Privadas e Crimes Virtuais.
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Notas:
[1] DE SOUZA. Leonardo Vieira. O principio da laicidade na Constituição Federal de 1988. São Paulo, 14 de fevereiro de 2019. Portal Justificando. Disponível em:< https://www.justificando.com/2019/02/14/o-principio-da-laicidade-na-constituicao-federal-de-1988/> Acesso em 04 de agosto de 2019.
[2] GUSTAVO. Tulio. Como eu descobri o plano de dominação evangélico – e larguei a igreja. The Intercept Brasil. Rio de Janeiro,01 de fevereiro de 2009. Disponível em:< https://theintercept.com/2019/01/31/plano-dominacao-evangelico/> Acesso em 04 de agosto de 2020.