Imagem: Valter Campanato / Agência Brasil – Montagem: Gabriel Pedroza / Justificando
Por Rodrigo Veloso Silva
“Se olhares demasiado tempo dentro de um abismo, o abismo acabará por olhar dentro de ti. ”[1]
Ao que parece, os 70% não são mais 70%. Parece uma frase confusa, mas é a nova realidade. Movimentos como o “somos 70%”, talvez tenham de mudar seus nomes e com certeza suas estratégias. A frente ampla, parece ficar menos ampla com o decurso do tempo, e consequentemente a aprovação de Bolsonaro continua a subir.
Quase dois anos de governo que parecem uma eternidade. A preocupação agora, parece ser a manutenção de poder acima de tudo e com o cenário eleitoral de 2022 se aproximando. Mas qual a lógica desse governo caótico manter sua base e chegar ao ápice de sua aprovação?
Esse caos, não é um caos puro e simples, ele parece muitas vezes ser imbuído em estratégia. O retrospecto de Bolsonaro em 2020 não é favorável, mas sua aprovação sim. Escândalos, má gerência, troca de ministros, ataques à ordem democrática; tudo isso parece pouco ou foi normalizado.
É preciso refletir sobre o que faz esses fatos serem de certa forma mitigados, fazendo a aprovação do governo subir.
Primeiramente, a melhora do cenário bolsonarista é atrelada a uma “moderação” do presidente. Essa moderação resume-se, muitas vezes, na omissão do presidente, na ponderação mínima que retém as barbáries e pensamentos inescrupulosos para si e alguns que os cercam. Basta lembrar também que a base sólida e tida como radical sucumbiu algumas vezes no confronto com o judiciário, e parece “arrefecer” algumas pautas.
O segundo ponto da alta de aprovação, atribuído com uma comprobabilidade maior, é o auxílio emergencial. No período de pandemia, o programa mantém a renda de diversas famílias, e em alguns casos até eleva essa renda. O projeto, erroneamente ficou vinculado ao presidente, apesar de ser uma conquista do congresso; já que a ideia que partiu da cúpula governamental eram de três parcelas de 200 reais.
O oportunismo de Bolsonaro não deveria ser surpresa. Em 2018, foi possível acompanhar uma mudança radical de pensamento no que tange ao assistencialismo social. Na corrida eleitoral, o bolsa família foi valorizado. Promessas de ampliação, de um “décimo terceiro” do benefício, entre outros. Contudo, faz se necessária a análise dos posicionamentos da época de Bolsonaro como parlamentar.
Em regressão, volta-se a 2017 quando a afirmação foi “Para ser candidato a presidente tem de falar que vai ampliar o Bolsa Família, então vote em outro candidato. Não vou partir para a demagogia e agradar quem quer que seja para buscar voto”. Um google, a respeito da óptica de Bolsonaro sobre o programa diz muito. O presidente já chamou os beneficiários de “pobres coitados”, “miseráveis”, “ignorantes; comparou o programa com compra de votos, e até defendeu o seu fim.[2]
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Outro salto importante para Bolsonaro é a alta no Nordeste. Apesar de já ter se referido de maneira pejorativa[3] a Região e o alto índice de votos petistas serem originários desta, a tentativa de aproximação é nítida, soa até “forçada”. Bolsonaro posa em meio às multidões de chapéu, cavalga, aproxima-se quase que personalizando (falhamente) a cultura nordestina. Necessário lembrar também, o quanto os nordestinos foram atacados pelas eleições do governo Dilma. À época, até movimentos sarcásticos como “Nordeste independente” foram postados e repostados. A culpa também foi atribuída ao fato de ocorrer um segundo turno em 2018.
Dessa forma, vê se que Bolsonaro usurpa da ideia de auxílio, que só é eficaz pela intervenção do Congresso. Inclusive, segundo o datafolha esse mesmo Congresso perdeu credibilidade perante os brasileiros. E por fim, chegamos ao ponto que faz o primeiro parágrafo desse texto necessário.
Não há como negar o quão necessário foi e é o auxílio, a manutenção de programas assistenciais, e possivelmente até um programa de renda básica. Porém, acima de tudo, não dá para marginalizar e criminalizar a alta de aprovação pelos beneficiários desse programa.
“Se olhares demasiado tempo dentro de um abismo, o abismo acabará por olhar dentro de ti”. Atribuir essa “culpa”, desejar o fim do programa, reduzir a população a estereótipos é um devaneio tolo, e passa longe de ser uma solução. Mais do que isso, é tornar-se semelhante ao retrospecto bolsonarista, sempre tão combatido. Nesse caso o abismo depois de muito tempo observado, passa a observar e refletir quem realmente somos.
Ressalva-se o que disse Esther Solano, cientista social em entrevista concedida à BBC: “Então é muito pedir para que as pessoas façam opções ideológicas. Quando você está à beira da fome, sua vida está pautada por coisas muito mais concretas e mais de subsistência do que de estratos ideológicos. Então não se deve falar que pobre de direita é burro, porque muitos desses pobres votaram no PT, se declaravam lulistas até pouco tempo atrás. Muito pouco mudou neste estrato, o que mudou foi a estratégia do Bolsonaro. Ele entendeu que num momento como o atual um subsídio emergencial é extremamente importante para as pessoas e pode fazer com que sua popularidade aumente”[4]. A entrevistada lembra ainda, que essa definição, por vezes, ignora ideais conservadores e religiosos; os quais essa parcela da população almejava com a eleição de Bolsonaro.
Talvez, o Bolsonaro do passado diria que essa parcela populacional “pensa com o estômago”, como já afirmou sobre o eleitorado petista. Por isso, é necessário ser cuidadoso para não ser envolvido em um discurso que mais se aproxima do bolsonarismo do que progressismo.
Como lembra Thiago Amparo, em sua coluna pela folha, é necessário afastar também essa ideia reducionista e paternalista de que o pobre precisa “aprender” a importância do regime democrático[5]. Tão pouco, ser ensinado sobre conceitos de clientelismo, populismo.
É necessária uma mudança, uma reaproximação, para que essa “lacuna” não seja preenchida no imaginário popular pelo bolsonarismo. Reivindicar as propostas de políticas sociais para si, reconhecer que o poder de compra como inclusão, é um projeto do lulismo, e não do bolsonarismo.
Mano Brown, já cobrava essa reaproximação da esquerda com as suas bases em 2018, mas foi vaiado[6]. Um novo clima eleitoreiro se aproxima, e não dá para dizer que nada foi aprendido. É preciso se estruturar, se erguer. A reeleição de Bolsonaro não é um fato, e fazem se necessárias, medidas que a distancie cada vez mais da realidade.
Rodrigo Veloso Silva é acadêmico na Universidade Estadual de Montes Claros.
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Notas:
[1] Nietzsche, Frederich Wilhelm. Além do bem e do mal.
[2] UOL. Antes de ampliar Bolsa Família, Bolsonaro defendeu fim do benefício. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/10/17/antes-de-ampliar-bolsa-familia-bolsonaro-defendeu-fim-do-beneficio.htm. Acesso em: 20 de agosto de 2020.
[3] VEJA. Bolsonaro e o Nordeste. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/noblat/bolsonaro-e-o-nordeste/. Acesso em: 20 de agosto de 2020
[4] BBC. O discurso de que ‘pobre de direita é burro’ é preconceituoso e revela falta de empatia com a situação que grande parte da população passa, diz pesquisadora. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53788197. Acesso em: 20 de agosto de 2020
[5] Folha de São Paulo. Não dá para cancelar o Datafolha. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/thiago-amparo/2020/08/nao-da-para-cancelar-o-datafolha.shtml. Acesso em: 20 de agosto de 2020
[6] OGLOBO. Mano Brown critica PT em comício de Haddad e recebe vaias. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/video-mano-brown-critica-pt-em-comicio-de-haddad-recebe-vaias-e-defendido-por-caetano-chico-buarque-23180629. Acesso em: 20 de agosto de 2020