Imagem: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS – Montagem: Gabriel Pedroza / Justificando
Por Juliana Neves, Lívia Lages e Isabelle Lombardi
Você já se perguntou a razão pela qual a segurança pública tem sido um tema tão recorrente no período eleitoral? Desde meados da década de 1970, as pesquisas apontam para um aumento em todas as modalidades delituosas, e ressaltam a violência como componente da prática de vários crimes (homicídios, estupros, roubos). Independentemente das causas, o fato é que essas transformações trouxeram medo e insegurança à população brasileira, tornando a segurança pública item obrigatório nos programas de governos daqueles que pretendem ocupar cargos de direção em todos os níveis: federal, estadual e municipal. Mas, será que as propostas usuais desses candidatos conseguem fazer frente à insegurança social ou vão em sentido contrário, podendo até aumentar os índices de criminalidade?
O Brasil possui 5.570 municípios definidos constitucionalmente como “entes federados autônomos”. São cidades muito diversas sob várias concepções: territorial, cultural, social e também quanto ao aspecto criminal. Nestas eleições municipais, 57 cidades, dentre elas 18 capitais, ainda não decidiram seus futuros prefeitos. Considerando esse contexto, nas últimas semanas, as pesquisadoras dessa coluna fizeram uma série de análises sobre a política de segurança pública nos municípios. De forma geral, debateram sobre o fortalecimento do trabalho preventivo e comunitário da Guarda Municipal, o reconhecimento do papel central do município na gestão prisional e na prestação de serviços às pessoas em situação de privação de liberdade e seus familiares e, ainda, a importância de se desenvolver uma política municipal de atendimento socioeducativo e da estruturação de uma política de prevenção à violência, com destaque para a violência contra mulher.
Embora essas sejam políticas embasadas em experiências que trouxeram resultados positivos e alinhadas a uma perspectiva de segurança mais garantidora de direitos, os projetos municipais dos prefeitos para as capitais, em sua maioria, adotam iniciativas que buscam ampliar o controle repressivo da criminalidade. Tendo isso em vista, às vésperas do segundo turno das eleições municipais, na coluna de hoje pretendemos entender o que está por trás das políticas mais comuns de segurança pública dos municípios.
Segurança para quem? o que está por trás das principais propostas de segurança pública nos municípios
Os candidatos às prefeituras das capitais apresentaram propostas como a realização de concurso e a ampliação dos efetivos da guarda municipal, a liberação de armas de fogo para a guarda e a implementação de sistemas de controle e de monitoramento dos indivíduos por meio de câmeras e de softwares de vigilância. Essas propostas estão alinhadas à permanência de um discurso repressivo à criminalidade, que encontra respaldo na ideia de guerra contra o crime, em que o Estado busca gerenciar as taxas de criminalidade pela adoção de políticas de controle e de eliminação daqueles indivíduos que quebraram o pacto social. Ao contrário de ‘combater um inimigo externo’, a guerra contra o crime no Brasil representa um combate do Estado contra seus próprios cidadãos, com um modelo violento de policiamento, o que tem ressoado nas práticas das guardas municipais.
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Quando, de forma geral, a segurança pública opera a partir de uma lógica punitivista, buscando prender a qualquer custo sem critérios objetivos, a guarda municipal não atua num vácuo de valores sociais e pode reproduzir essas práticas. A naturalização da violência por agentes do Estado, que passam a ser aceitas pela população em geral e legitimadas – por meio dessas políticas de segurança pública – pelos agentes públicos, também chega às guardas civis municipais, o que pode ser observado em casos de aumento da truculência de sua forma de operação e da violência, sobretudo contra grupos marginalizados, inclusive com o uso de arma de fogo de forma irregular.
Um problema inerente a esse desenho de segurança pública é que a truculência do Estado não é direcionada a todo cidadão, mas se dá pela eleição de inimigos comuns do povo, os quais são exemplarmente punidos, mas que não podem ser exclusivamente responsabilizados pela insegurança social. No Brasil, a eleição desses inimigos – suspeitos acima de tudo – tem endereço certo: é a periferia, sobretudo jovens negros, que mais sofrem com a criminalidade e que mais são responsabilizados por ela, mas que não podem ter o encargo dessa responsabilidade, sendo eliminados ou taxados de criminosos como bode expiatórios, o que – ao invés de reduzir – tende a incrementar a criminalidade.
É neste contexto que a guarda municipal ainda está definindo o seu papel na segurança pública dos municípios e há uma possibilidade de que sua agência saia dessa lógica repressiva, com enfoque prioritário em políticas de prevenção da criminalidade. Os novos gestores municipais terão um papel decisivo na configuração desse papel. A questão que se coloca é: eles o farão?
E agora, o que fazer?
A segurança pública, embora seja um direito social previsto constitucionalmente, não tem sido abordada pelo campo progressista. O preço do não envolvimento das políticas de segurança em termos de direitos sociais não somente implica a deslegitimação do medo da população e da insegurança social, como também a apropriação desse campo na política quase que exclusivamente por uma abordagem autoritária e segregacionista, que já estabelece de antemão quem são os indivíduos tidos como “perigosos” para serem controlados pelo Estado.
Para que seja possível um outro panorama, é necessário que o campo progressista também se aproprie dessa área, estabelecendo demandas e propostas próprias, tendo a vida das pessoas e não a ordem pública como principal bem a ser assegurado. A atuação dos municípios, em especial das guardas municipais, ainda está sendo construída, de modo que há espaço para um novo olhar sobre a segurança pública. Os municípios representam o ente federativo mais próximo da população e, assim, as eleições municipais representam uma oportunidade de impactar em um plano local a segurança pública e de propor novas políticas para além da reprodução da violência pelo Estado.
Juliana Neves, Lívia Lages e Isabelle Lombardi são pesquisadoras do Crisp da Universidade Federal de Minas Gerais.
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