Imagem: StockSnap / Pixabay e Reprodução Internet – Montagem: Gabriel Pedroza / Justificando
Por André Faustino
É inegável reconhecer as grandes contribuições que os avanços tecnológicos trouxeram, quer ser seja sob o estado da técnica, com o desenvolvimento de tecnologias voltadas a melhorar a qualidade de vida das pessoas como, por exemplo, próteses ortopédicas ou até mesmo inovações voltadas tipicamente ao mercado de consumo como, por exemplo, geladeiras integradas com dispositivos de internet das coisas.
De todas essas criações tecnológicas, a internet representou uma verdadeira revolução, trazendo inúmeras possibilidades para o desenvolvimento humano como, por exemplo, a popularização do conhecimento, o encurtamento de distâncias, estabelecimento de relacionamentos, etc.
A popularização do acesso e uso da internet permitiu que migrassem para dentro do seu “ambiente” as complexas relações sociais estabelecidas em um longínquo “mundo off-line”, repleto de relações rígidas e desenvolvidas ao longo da própria existência humana. Essa migração possibilitou que as redes sociais geográficas do mundo rígido, fossem transportadas para as redes sociais virtuais.
Orkut, Facebook, Instagram permitiram que essas redes se ampliassem tanto pelo lado quantitativo, quanto pelo lado qualitativo, permitindo que qualquer indivíduo dentro desses ambientes pudesse estabelecer vínculos e contatos pautados pela celeridade e efemeridade de conteúdo. A passagem da vida passou a ocorrer dentro dessas redes sociais on-line.
Amores, amigos, empregos, negócios, toda a potência humana de repente passou a ser exercida dentro desses ambientes, o indivíduo se viu permitido a expor a sua vida, a sua própria existência na timeline do Facebook, basta um post, um vídeo ou uma foto e a vida de cada indivíduo se estampa dentro desse mundo, espetacularizando¹ a sua passagem por esse mundo real dentro desse mundo virtual.
A dinâmica desses ambientes é simples, quanto mais melhor e quanto mais rápido mais consumível, é como se o motor que movimenta as redes sociais, se alimentasse do consumo das vidas alheias, em um ciclo vicioso sem fim, que evidencia a fome humana pelo espetáculo da vida do outro.
Em decorrência lógica dessa regra, a única regra possível é expor, e aí que surge o início e o fim da tragédia humana que se exterioriza no bojo das redes sociais. Por excelência esse é o ambiente da mentira, a vida vivida nas redes sociais cada vez mais se descola da vida real dos indivíduos. Selfie, digital influencer, coach e outros termos que ganham protagonismo nas redes sociais, somente são possíveis, pois essas redes são o resultado da necessidade humana de reconhecimento, de ser notado.
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A vida nessas redes mostra o quanto a vida humana na sua superfície é vazia, a falta da profundidade de um relacionamento, de um abraço, de um aperto de mão, deixa cada vez mais os humanos próximos à máquina. A ausência de empatia, de encontros face a face, trazem para os relacionamentos estabelecidos dentro das redes sociais a frieza e lógica da máquina.
Uma vida passa a ser medida, a ter seu valor definido pela quantidade de engajamento que essa vida dentro do ambiente digital consegue gerar curtidas, de compartilhamentos. É como se a forma de medir a existência de alguém passasse a ser através de um cálculo matemático. Quantos seguidores? Quantas visualizações? Se as respostas forem traduzidas em números extensos significa que a vida, dentro dessa lógica do espetáculo, passa a ser uma vida desejável, uma vida que “vale a pena”, o produto vida passa a ser um bem consumível.
A vida ao se equiparar a um produto, dentro da lógica das redes sociais, permite que o seu próprio conteúdo se esvazie, a memória, valores, existência, abrem espaço para likes e compartilhamento, ocorre um renúncia explícita da nossa própria condição humana.²
O produto é feito para ser vendido e consumido em escala, assim como a vida nas redes sociais existe para ser vendida e consumida em escala, dessa forma, assim como no produto, o que determinará o valor de uma vida nas redes sociais é a capacidade de traduzi-la em capital, um capital social.
Nessa vitrine tem que se expor aquilo que será consumido, dessa forma revelando que o conteúdo abrirá espaço para a aparência e a propaganda desse produto evidenciará um “produto vida” extremamente desprovido do real conteúdo dessa vida, que é a própria existência. Assim é facilmente identificável a ocorrência de uma violência positiva³ perpetrada a cada segundo no interior das redes sociais, onde um excesso de positividade, de alegria, violenta aqueles que não conseguem ter a sua vida “consumida” por não possuir um produto que possa ser consumido dentro da lógica dessas redes.
O outro passa da significar a vida do outro, a referência sobre a existência, sobre o que cada um é dentro de si, dentro da lógica das redes sociais, só passa a ter sentido quando os outros dizem o quanto vale e esse valor é traduzido por números, por seguidores.
Essa dinâmica traz sofrimento, dor e depressão, pois na corrida por um lugar na timeline e não mais um lugar ao sol, já que nas redes sociais não existe o sol, os indivíduos se deparam com a vidas expostas, vazias e que escancaram a necessidade por serem consumidas. Assim a existência contida dentro da vida, se confunde com o próprio vazio que surge entre a vida vivida e a vida “vendida” nas redes sociais.
Espetáculo e exposição trazem sentido a uma existência criada para durar em um ambiente onde nada é feito para durar por mais de um dia. Nesse sentido, a cada post, a cada self, a cada compartilhamento, o indivíduo, na lógica dessas redes, evidencia de forma trágica o vazio da sua vida em um lugar onde a regra é ter uma vida vazia.
André Faustino é doutorando em Direito pela FADISP. Mestre em Direito na Sociedade da Informação. FMU. Bacharel em direito pela FMU. Bacharel em Música oela FAMOSP. Especialista em Direito Civil pela FMU. Professor de graduação no curso de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Professor de sociologia e antropologia jurídica no curso de Direito da Faculdade de Nova Mutum – FAMUTUM. Autor do livro Fake News: liberdade de expressão nas redes sociais na Sociedade da Informação.
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Notas:
[1] DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017.
[2] ARENDT, Hannah. A condição humana. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
[3] Han, Byung-Chul Topologia da violência / Byung-Chul Han ; tradução de Enio Paulo Giachini. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2017.