Não há como falar do nosso Saci Pererê sem abordar logo de início o que mais atormenta a sobrevivência do nosso folclore como um todo: a globalização.
As diversidades culturais relacionam-se umbilicalmente aos Direitos Humanos e elas vivenciam momentos angustiantes com a presente globalização.
Não há hoje a mundialização prevista inicialmente pelos franceses mais à esquerda, com conotação mais humanista e de interação. Hoje não há qualquer conversação ou interação real, mas a mera imposição de costumes, de valores e de interesses de um ou poucos Estados sobre o conjunto da humanidade, ou seja, a homogeneização e a pasteurização, símbolos maiores da modernização da vestimenta do imperialismo, que se apresenta sob uma versão mais colorida, mas ainda sob um só prisma, iludindo aqueles que não refletem e não têm consciência histórica e política.
A questão atingida mais de perto pela globalização é a manifestação cultural própria de um povo ou de uma localidade, com destaque à sua música, à sua dança, à sua arte e também ao seu folclore.
A garantia de proteção ao folclore se dá em âmbito internacional através da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais[1], que protege a diversidade das manifestações culturais e foi ratificada pelo Brasil em 2007, e em âmbito interno através da Constituição da República[2].
É bom sabermos que há uma proteção, mas sem efetividade, sem implementação e sem vontade, de nada adianta existirem leis, Constituições e Tratados Internacionais garantistas.
O governo e a sociedade, que deveriam ser os principais responsáveis pela preservação e propagação da cultura nacional, omitem-se em grande parte das vezes. Uma ou outra alma reticente é que brada pela sobrevivência do folclore nacional. A globalização avassaladora, dentre outras perversidades, cortou os laços afetivos com o nosso passado. Para quem duvida, tomemos como exemplo o dia das bruxas, que nada tem a ver com o nosso folclore, com a nossa história e o nosso modo de viver, mas é ela que domina o coração e a mente de nossas crianças e dos seus pais, com festas de Halloween feitas em escolas, academias, condomínios e até nas empresas e repartições públicas!
Algumas pessoas da minha geração ainda têm em mente a figura do Saci Pererê e da Cuca, personagens do folclore nacional que foi divulgado por inúmeros escritores, com destaque a Monteiro Lobato e o seu Sítio do Pica Pau Amarelo, mas as crianças de hoje, ao contrário, adeptas mais dos seriados televisivos, da internet e dos desenhos e filmes, quase sempre empacotados (importados) do que do livro nacional, já aderem a uma consciência globalizada e pouco conhecem dos valores culturais locais, a não ser o midiático carnaval e as resistentes festas juninas.
Todo esse desinteresse com a cultura nacional é o reflexo do descaso com a nossa história e os nossos valores. Desta forma, não basta haver a proteção legal nacional ou ainda internacional à cultura local ou regional se os governantes e o próprio povo não se interessarem na implementação e no aperfeiçoamento de garantias já existentes. O que pode estimular, e muito, a valorização da cultura nacional pela população é a educação planejada e de qualidade que prime pela formação de cidadãos brasileiros, com efetiva noção de história do Brasil e de suas raízes culturais. Segundo o que penso, sem o necessário acompanhamento de uma educação vigorosa, qualquer medida a ser implementada seria em vão, pois as mentes e os corações já estariam dominados pelo espírito massificador da globalização.
Como se vê, o Saci Pererê, assim como qualquer outro dos personagens e elementos do nosso rico, fantasioso e esquecido folclore, tem potencial para assustar e espantar as bruxas da globalização. Ele, além de ser um herói simbólico da resistência da cultura e do folclore brasileiros, de nossa brasilidade, também significa a efetividade de uma parte dos direitos humanos.
Cyro Saadeh é Procurador do Estado e membro do Olhares Humanos