Arte: Daniel Caseiro.
Convencionou-se dizer que estamos no decorrer da chamada quarta revolução industrial. Para fazer uma brevíssima recapitulação, vale lembrar que a primeira revolução industrial foi aquela do final do século XVIII, impulsionada pela utilização de máquinas a vapor em substituição às ferramentas manuais. Já a segunda revolução foi aquela do final do século XIX, caracterizada pela utilização dos motores à explosão e, é claro, da energia elétrica. A terceira revolução se deu no pós-guerra (segunda metade do século XX), em que teve destaque a informatização. Desde então, é sabido o crescente papel de destaque da utilização de computadores e tecnologias em todos os setores de nossas vidas.
A denominada quarta revolução, por sua vez, baseia-se na evolução de tecnologias digitais, tais como os smartphones e demais aparelhos com internet móvel, inteligência artificial, aprendizagem de máquina (machine learning) e tecnologias de big data (grande quantidade de dados, estruturados ou não). Vale ressaltar, ainda, que na atual conjuntura estas tecnologias se tornam cada vez mais acessíveis, sofisticadas e integradas, possibilitando a geração, o processamento e a utilização de informações em quantidade e velocidade antes impensadas.
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Como é sabido, a propagação e processamento de informações foi algo desenvolvido ao longo dos avanços tecnológicos; desde a imprensa de Gutenberg até a internet, passando pelo forte predomínio do rádio e da televisão durante o século XX. No final do século XX e neste início de século XXI, os computadores tradicionais, os notebooks e mais recentemente os tablets e smartphones revolucionaram a forma de propagação de informações, dada a praticidade decorrente da diminuição de custo, tamanho e peso com relação às antigas tecnologias. Somados ao avanço da internet e das mídias sociais, estes aparatos tecnológicos acabaram por encurtar distâncias e o processamento e a propagação de informações deixaram de ser algo local para se tornarem mundial. Alteram-se com isso não só as relações sociais – que passam a prescindir da presença física –, mas também a velocidade com que se conhece e deve-se agir diante de informações rápidas e abundantes.
Neste contexto, as chamadas tecnologias de big data passam a exercer maior influência e merecem nossa atenção, especialmente diante da possibilidade de sua utilização no meio privado (sobretudo marketing) e também nas campanhas políticas (vide o caso Cambridge Analytics), que passam a mapear eleitores para direcionar publicidade eleitoral, tendo alcance mais otimizado (maior e mais focado) com relação às formas anteriores de propaganda.
Outro efeito se refere à forte presença das mídias sociais, que alteraram substancialmente o papel do cidadão no processo democrático. Neste sentido, basta ver que há décadas atrás apenas poucos eleitores tinham possibilidade de ter sua opinião ouvida – via de regra mediante publicação em jornal ou raras aparições para pequenos públicos –; num passado mais recente, a televisão deu maior vazão às notícias e, é claro, às opiniões de seus funcionários e especialistas e, raramente, de alguma quantidade de eleitores. Atualmente, com a expansão da internet e das mídias sociais, todos possuem um palco para proferir suas opiniões (sites, blogs e, especialmente, os perfis em mídias sociais). Neste sentido, atentamo-nos para algo ainda mais expressivo no que tange à relação entre tecnologia e democracia: a possibilidade de organização de grupos e eventos de viés político com facilidade e velocidade. Afinal, mediante simples participação na rede, é possível organizar eventos de natureza política (protestos, marchas e similares) em velocidade e tamanho nunca antes pensados. Como sabemos, esta possibilidade decorrente de novas tecnologias afetou significativamente a organização de protestos em todo o mundo e conosco não foi diferente.
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Outro efeito possível de ser mencionado é decorrente da velocidade da propagação de informações, que reduzem expressivamente o tempo para respostas calculadas, calibradas e precisas por parte de candidatos e atores políticos em geral. Estes, na atual conjuntura, correm maior risco de realizar comentários ou até mesmo decisões com efeitos políticos – e, portanto, também econômicos – devastadores, dada esta necessidade de se elaborar uma resposta em minutos (ou segundos), quando num passado recente havia tempo de reunir expertos e assessores e debater por horas cada palavra que deve conter a melhor resposta a ser empregada.
Feitos estes breves apontamentos, podemos afirmar que os efeitos mencionados aqui, tais como a amplitude dada à liberdade de expressão nas mídias sociais, a facilidade de organização de movimentos e protestos, bem como a velocidade de geração de notícias, volatilizados pela forte expansão de aparelhos móveis com acesso à internet e alto engajamento nas mídias sociais, alteraram substancialmente todas as democracias ocidentais. Neste contexto, nos vemos claramente despreparados – política e juridicamente – para lidar com a utilização destas tecnologias, sendo esta verificação importante para que possamos rapidamente direcionar nossa atenção ao controle e fiscalização de seu uso, de modo a garantir sua adequação aos princípios democráticos que fundamentam nosso ordenamento jurídico.
João Roberto Gorini Gamba é advogado, Doutor e Mestre em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Professor de Ciência Política na Universidade São Judas Tadeu (USJT).
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