Imagem: foto do sítio eletrônico do MST.
Por Maciana de Freitas e Souza
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É de conhecimento geral que os últimos dias foram marcados por violência contra os povos do campo, em especial a líderes do MST- Movimento dos trabalhadores sem-terra no Estado da Paraíba. Se todas as reportagens reservassem um espaço para reivindicar o uso social da terra adequado (como determina a Constituição Federal) ou se problematizassem os conflitos, os números inadmissíveis de casos de violência, a impunidade reinante com relação a eles, talvez a realidade seria outra. A falta permanente de interesse da mídia em discutir a questão agraria como questão social, reiterando apenas a necessidade de crescente aparelhamento repressivo aos movimentos sociais, na contramão de um debate público sério em torno disso, é um dos fatores que nos leva a (talvez) nos chocarmos e (logo) depois esquecermos.
Pensando em tempo histórico, é fato que com a chegada dos europeus em solo brasileiro iniciou-se a exploração direta das riquezas nacionais e do nosso território. Desde a sua formação, é notório o caráter predatório da agricultura introduzida pelos colonizadores no Brasil, marcado pela monocultura extrativista, os latifúndios improdutivos e a extrema desigualdade da terra em sua distribuição, sendo que o resultado desse modelo de desenvolvimento se faz sentir ainda hoje.
É importante mencionar que o descontentamento com a situação do campo no período republicano foi de fundamental importância para que diversos movimentos que tinham como base a questão agrária surgissem. Exemplos desse fato são a formação das ligas camponesas no nordeste, as revoltas de Canudos e do Contestado. Nesse período, a reforma agrária passa a fazer parte da pauta política. Nesse sentido, Fernandes [1] conceitua a questão agrária como “o movimento do conjunto de problemas relativos ao desenvolvimento da agropecuária e das lutas de resistência dos trabalhadores, que são inerentes ao processo desigual e contraditório das relações capitalistas de produção” (2001, p. 23).
Segundo Fernandes (2001) O processo de formação do MST inicia-se na década de 80, quando trabalhadores rurais passam a se reunir em diversas experiências de ocupações de terras nos Estados do Sul, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Nesse período, ao analisar a conjuntura brasileira, pode-se identificar o contexto de luta pela democracia e a crítica ao modelo agrário implantado no período da Ditadura Militar. Esse processo levou a classe trabalhadora a formar o movimento que hoje “está organizado em 24 estados nas cinco regiões do país. No total, são cerca de 350 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta e da organização dos trabalhadores rurais”[2] . Deve-se ressaltar que o movimento tem como objetivos centrais “Lutar pela terra; Lutar por Reforma Agrária; Lutar por uma sociedade mais justa e fraterna”. O MST demostra, ainda, a importância de um modelo de produção agrícola que leve em conta a questão ambiental. Vale destacar que o movimento não foi construído somente pela necessidade de resistência e reivindicação das pessoas sem terra, mas também como um processo de luta descrito na história do trabalhador rural em nosso país.
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As questões da violência advinda de conflitos agrários são fundamentais para repensarmos o modelo de desenvolvimento vigente. Em seu sítio eletrônico, a Comissão Pastoral da Terra [3] tornou público os registros de “massacres no campo” ocorridos entre 1985 e 2017:
“A CPT torna públicos os registros de massacres no campo, de 1985 a 2017. Esse tipo de crime sempre ocorreu no campo brasileiro, apesar de apenas alguns terem ganhado destaque no cenário nacional. De acordo com sua metodologia, a CPT reconhece como “massacre” casos em que um número igual ou maior que três pessoas, foram mortas na ocasião. Motivada pelos dois crimes que ocorreram esse ano, no Mato Grosso e no Pará, a CPT desenvolveu essa página especial para dar visibilidade a todos os massacres no campo ocorridos nos últimos 32 anos e mostrar para a sociedade que esse tipo de crime é mais uma das estratégias do capital para expulsar os povos de suas terras e territórios”.
Feita essa observação, fica claro que a concentração fundiária, além de ser um elemento que amplia as mais diversas desigualdades, também contribui para os conflitos, aumentando o índice de violência no campo. Vemos assim o não cumprimento da “função social da propriedade rural”, constante no art. 5º, XXIII da Constituição Federal[4]. Nesse contexto, os movimentos sociais tem o papel de buscar a concretização de seus direitos por meio da luta social, pois é somente com a organização e a luta de classes que podemos assegurar as garantias fundamentais. Segundo a apresentação do documento estatal II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA)[5]:
“A reforma agrária é mais do que um compromisso e um programa do governo federal. Ela é uma necessidade urgente e tem um potencial transformador da sociedade brasileira. Gera emprego e renda, garante a segurança alimentar e abre uma nova trilha para a democracia e para o desenvolvimento com justiça social. A reforma agrária é estratégica para um projeto de nação moderno e soberano (2004, p. 05)”.
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A potência dos movimentos sociais e o destaque do MST como referência em produção orgânica na América Latina [6] nos mostra que outros modelos de desenvolvimento são possíveis. Portanto, é importante fortalecer a luta dessas pessoas, que apenas exigem o respeito e a garantia de seus direitos básicos, como a vida. Temos o desafio pela frente de unir trabalho de base, articulação institucional e incidência política. É preciso também que essa realidade seja discutida na mídia com uma abordagem crítica e de forma justa, para que seja criada uma agenda pública voltada para a universalização de direitos e garantia de melhores oportunidades aos brasileiros e brasileiras do campo, tendo como horizonte o aprofundamento democrático e o desenvolvimento sustentável. A luta do MST é de todos aqueles que desejam uma sociedade mais justa e menos desigual.
Maciana de Freitas e Souza é bacharela em Serviço social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
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Notas: