Religioso fervoroso, Jerome recusa-se a tomar vacinas. Na semana passada, contraiu catapora. Em março, o porta-voz do movimento antivacinas na Itália teve o mesmo destino
Imagem: Jerome Kunkel, 18 anos, e seu advogado, Thomas Burns, durante audiência na Corte do Condado de Boone em 1 de abril de 2019.
Por Mauro Donato
O jovem Jerome Kunkel é desses norte-americanos que provocam espanto em quem costuma raciocinar com o cérebro.
Religioso fervoroso, Jerome recusa-se a tomar vacinas. Mesmo em meio a um surto de catapora em sua cidade (Walton, no Kentucky), ele manteve-se firme em suas convicções.
A escola Our Lady of Sacred Heart/Assumption Academy, então, proibiu o aluno de frequentar as aulas e as quadras de basquete que ele adora.
Jerome não estava sendo perseguido por doutrinadores da esquerda marxista. A escola apenas estava seguindo a determinação do Departamento de Saúde do Norte de Kentucky que em março já havia decidido barrar alunos não imunizados de frequentar tanto as aulas como atividades extracurriculares.
O jovem Jerome recorreu à justiça e processou o colégio. Alegou que vacinação é uma coisa “imoral, ilegal e pecaminosa” e, num arroubo de individualismo clássico, argumentou que seus direitos estavam sendo violados. Os demais que se explodam.
Perdeu.
Leia também:
“O conto da Aia” começou no meu colégio evangélico
O juiz que analisou o caso entendeu que o departamento de saúde é autoridade “no tocante” ao tema e determinou que Jerome não tinha o direito de frequentar as dependências do colégio sem estar vacinado.
Pois bem, na semana passada, adivinhem, Jerome contraiu a doença. Não se sabe a quem ou a que ele irá imputar a causa. Algo divino, provavelmente.
A catapora é altamente contagiosa, causa erupções na pele, coceira e febre, embora não tenha um índice de fatalidade muito grande.
Como adeptos da extrema-direita e abilolados terraplanistas não são exclusividade dos EUA, também em março, o principal porta-voz do movimento antivacinas na Itália, Massimiliano Fedriga – membro do primeiro escalão do partido de Matteo Salvini – contraiu o vírus.
Ficou 5 dias internado e saiu do hospital com discurso renovado. Passou a ser favorável à vacinação.
É o que dá ir contra a natureza das coisas e contra as recomendações do bom senso e dos estudiosos do assunto.
Quem votou em Jair Bolsonaro acreditando em milagres, agora corre o risco de levar um tiro de uma das mais de 19 milhões de pessoas (segundo estimativa do Instituto Sou da Paz) que ganharam facilitação no porte de armas. De advogados a jornalistas, de conselheiros tutelares a agentes de trânsito, são 20 categorias previstas no decreto que ampliará o faroeste bolsonarista.
Leia também:
Quem o elegeu para “acabar com tudo isso que está aí”, agora pode ter perdido a bolsa de pós graduação, ou o financiamento para pesquisas científicas.
Quem sufragou num messias pelo discurso charlatão da “doutrinação marxista gayzista comunista” nas escolas, agora perdeu a chance (sua, mas também de seus filhos e netos) de ter uma educação de qualidade e rica em disciplinas como filosofia e sociologia, que formam o cidadão pleno. De direita ou de esquerda.
Agora perdeu a chance de algum dia se aposentar com um mínimo de dignidade e sente na pele que terá que sacrificar-se mais um pouco – em nome de uma “reforma” – enquanto igrejas permanecerão isentas de tributos e grandes devedores da Previdência recebem facilidades ou mesmo anistia de suas malandragens.
Por não ter se vacinado corretamente contra aventureiros despreparados e de ideologia fundamentalista, agora está sendo obrigado a engolir um ministro da Educação que afirma ser leitor de “Kafta”, que escreve “insitar” e que usa chocolatinhos para explicar alguma coisa pois pensa que todos somos imbecis.
O perigo dos que são contra a imunização é que eles causam a disseminação da moléstia para todos à sua volta.
Está na hora de chamarmos os médicos cubanos para dar uma solução nessa epidemia, pois tem muita gente morrendo em consequência da ignorância alheia.
Mauro Donato é Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo
Leia mais:
Assinando o plano +MaisJustificando, você tem acesso integral aos cursos Pandora e ainda incentiva a nossa redação a continuar fazendo a diferença na cobertura jornalística nacional.