Ao firmar pacto, “o Presidente do STF atinge, a um só tempo, o princípio da separação dos poderes, a Constituição da República e o Estado Democrático de Direito”, afirmou em nota a Associação Juízes para a Democracia
Imagem: Dias Toffoli e Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR
Nesta terça-feira (28), os presidentes do Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário se reuniram para firmar um grande acordo nacional. O encontro se deu no Palácio da Alvorada, onde o presidente da República, Jair Bolsonaro, se encontrou com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli para o que chamaram de um “pacto republicano”.
A negociação é vista como uma espécie de “armistício” entre os poderes, articulado em reação aos protestos do dia 15 de maio – nos quais manifestantes fizeram duras críticas às medidas adotadas e propostas pelo Executivo – e, em menor grau, em reação aos protestos do dia 26 de maio – nos quais manifestantes atacaram instituições como o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional.
O principal articulador desse acordo foi Dias Toffoli, atual presidente do STF, que desde o fim do ano passado se manifesta sobre a necessidade de unificação das instituições. Mas a proposta oficial ainda está sendo formulada pela Secretaria de Assuntos Judiciários, um dos braços da Casa Civil.
Segundo o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o pacto tratará de “metas de interesse da sociedade”, dentre as quais estaria a aprovação urgente da Reforma da Previdência.
Ainda segundo Onyx, um documento para formalizar o pacto de entendimento entre os membros dirigentes do alto-escalão da máquina pública brasileira será assinado “provavelmente” na semana do dia 10 de junho.
A intenção foi classificada como positiva dentro do Congresso e da Suprema Corte, mas tem recebido duras críticas de diversos setores da sociedade.
Na quarta-feira (29), Associação Juízes para a Democracia (AJD) divulgou uma nota de repúdio à postura de Dias Toffoli. “É inadmissível que o Presidente do Supremo Tribunal Federal antecipe-se a firmar ‘pacto’ com os demais poderes”, afirmou a entidade de magistrados. “Agindo assim, o Presidente do STF atinge, a um só tempo, o princípio da separação dos poderes, a Constituição da República e o Estado Democrático de Direito”.
Confira abaixo a íntegra da nota de repúdio da Associação Juízes para a Democracia (AJD):
NOTA PÚBLICA DA AJD SOBRE A NOTÍCIA DE “PACTO” ENTRE OS PODERES EXECUTIVO, LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO
Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.
(Montesquieu, em O Espírito das Leis)
A Associação Juízes para a Democracia (AJD) entidade não governamental, de âmbito nacional, sem fins corporativos, que tem como um de seus objetivos estatutários a defesa dos direitos e garantias fundamentais e a manutenção do Estado Democrático de Direito, manifesta forte preocupação com a notícia de que o Presidente do Supremo Tribunal Federal pretende assinar, com o Presidente da República e com o Presidente do Congresso Nacional, um “pacto” em favor de reformas constitucionais e legais.
Compete ao Poder Executivo apresentar propostas de reformas que entender necessárias e ao Poder Legislativo aprová-las ou rejeitá-las, como entender conveniente, após prévios debate e votação, sob os ritos formais estabelecidos na Constituição.
Ao Poder Judiciário, incumbe o controle da legalidade e da constitucionalidade de possíveis reformas, seja pela atividade de cada Magistrado, seja pela atuação do Supremo Tribunal Federal.
Nestes termos, é inadmissível que o Presidente do Supremo Tribunal Federal antecipe-se a firmar “pacto” com os demais poderes. Não pode o Poder Judiciário, nem mesmo a Suprema Corte, fazer juízo prévio de conveniência e avalizar antecipadamente alterações constitucionais.
Nenhum pacto pode se sobrepor ao dever do controle jurisdicional de constitucionalidade posterior ao agir do Executivo e do Legislativo. Tampouco o Poder Judiciário pode servir como órgão de consulta dos demais poderes.
Agindo assim, o Presidente do STF atinge, a um só tempo, o princípio da separação dos poderes, a Constituição da República e o Estado Democrático de Direito.
O Brasil precisa, sim, de um novo tempo. Um tempo em que as instituições e os princípios democráticos sejam respeitados; um tempo em que os direitos fundamentais também sejam usufruídos pelos mais pobres; um tempo em que a Constituição da República seja cumprida, dentro dos limites ali estabelecidos.
Os juízes brasileiros, zelosos de sua missão constitucional e compromissados, verdadeiramente, com a Democracia, não irão compactuar com acordos que atinjam a independência da magistratura.
Por essas razões, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) manifesta repúdio a concertos que sugiram a fragilização ou mesmo comprometam a independência da magistratura, deixando claro que os juízes brasileiros, zelosos de sua missão constitucional, permanecerão ao lado da Constituição e da Democracia.
São Paulo, 29 de maio de 2019.
Com informações do El País, Correio Braziliense e G1.
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