Imagem: William-Adolphe Bouguereau. 1850. Musée d’Orsay, Paris.
Por Henrique Checchia Maciel
A concepção da teoria humanista na guerra é um paradigma, já que engloba a luta pelo fanatismo e a alteridade social; existem direitos humanos no Estado de exceção? Pode-se relativizar o direito à vida em nome do bem comum? Lógico que há um subjetivismo nas respostas aos questionamentos, mas o que trataremos é a supremacia da dignidade da pessoa humana sem qualquer relativismo.
A axiologia é completamente vinculada ao direito, mesmo que indiretamente, os valores regram a sociedade de consumo, mas os valores de quem? Dos detentores do monopólio do poder, óbvio, que por intermédio de um contrato social se legitimou a praticar crueldades, como as torturas e as guerras, tudo em nome de uma tal ordem positivista, e o pior, contra o seu próprio povo. Por isso que há cada vez mais adeptos ao Estado Niilista, uma ideia de Friedrich Nietzsche[1], que seria a secularização das instituições democráticas, surgindo assim, um Ente completamente humanista, sem interesses escusos, apenas intencionado a Res Publica de fato.
Contudo os filósofos da guerra, citando Clausewitz[2], buscaram racionalizá-la, dividindo em segmentos para potencializar as suas estratégias, nunca se atentaram aos princípios básicos do ser humano, os garantidos pelas dimensões dos direitos fundamentais, apenas tornaram a batalha mais efetiva e eficiente, mais prática, alocando os indivíduos em vencedores e perdedores, nascendo assim, o seres humanos maios céticos, sem uma visão humanista.
No século XX, no leste europeu, houve a implementação, tanto teórica quanto prática do pensamento decisionista do Kronjurist alemão, o Carl Schmitt[3], levando o mundo a regimes que concentravam o poder, mesmo que havia a interferência parlamentar, o poder de imperium dava-se nas palavras do executivo. E nesse cenário criou as figuras de Freund y Feind, que significam amigos e inimigos, uma ideologia do Estado na qual divide a sociedade em grupos, a maioria e a minoria; uma relação oriunda da democracia, porém opressora, que delimita as ações sociais e a diversidade. Nesse raciocínio o jurista italiano Luigi Ferrajoli comenta:
“En efecto, La razón jurídica Del Estado de derecho no conoce enemigos y amigos, sino solo culpables e inocentes”.
Por conta disso, a razão jurídica do Estado de direito propõe, de forma arbitrária e unilateral, o conceito de indivíduos culpáveis e inocentes, aqueles serão marginalizados socialmente, neles cairá o peso da lei, principalmente a penal; já que não são adeptos aos costumes, axiomas e virtùs da maioria. Assim nasceu o manto protetor do Estado, que o garante as ações abusivas, que se chama direito penal tradicional ou conservador.
Leia também:
Porquê estamos numa ditadura constitucional
Entretanto isso veem mudando com o tempo, como pode-se ser visto na tese do direito penal do inimigo de Günther Jakobs; acreditava que a dignidade humana não pode ser afastada para imperar uma sanção, ainda mais tratando-se de penas que não somente reverberam no físico humano, mas são sentidas pelo espírito, como a tortura; uma prática de busca à confissão, sendo uma penitência, tentando legitimar um ato completamente nulo em pleno direito e de compaixão. Todavia, o que é pena? O jurista Franz Von Liszt, na sua obra “Tratado de Direito Penal Alemão”, define como:
“Pena é o mal, que, por intermédio dos órgãos da administração da justiça criminal, O Estado inflige ao delinquente em razão de delito”. (Deutscher Strafrechtvertrag Vol. I – Pag. 399 – Von Liszt, Franz)
Claramente, já perfazia uma crítica ao que se entendia como delinquente, já que é de um relativismo puro, como por exemplo, os mendigos, bêbados e mulheres eram marginalizados, eram tratados com exclusão, e isso estava positivado no ordenamento alemão. No entendimento hegeliano, “a ordem jurídica é a manifestação da vontade geral”, isto é, sem distinção de classe, credo, etnia; todos pertencem e podem atuar ativamente nas decisões legiferantes.
Nesse prisma deontológico, principalmente pelo ego dos governantes, que pela falta de fortuna maquiavélica, sem traquejo na regra do jogo, acabaram fomentando o ódio às avessas, nascendo o terrorismo, milícias, grupos armados contra o Estado democrático de direito, que a todo custo buscam a intentona ao poder, para assim regozijar os seus próprios interesses.
Conclui-se que a beleza do mundo é a diversidade de opinião, o respeito alhures; variantes que transmutam a nossa concepção de Estado, consequentemente do direito, “o direito é uma arte”[4], que tutela a todos, sem distinção, que acima de qualquer lei categórica, há a supremacia da dignidade da pessoa humana e do direito à vida, sem quaisquer mitigação.
O real estado democrático de direito não pode conviver com o Homo Sacer[5], conceito empregado por Giorgio Agamben, a vida nua, é intolerável as nuances institucionais pregadas contra a humanidade, como ocorre na baía de Guantánamo, ou nos presídios; o “trabalho não liberta”, nesse caso te prenderá cada vez mais nesse sistema, até quando fecharemos os olhos para as mazelas causadas pela desigualdade social.
Henrique Checchia Maciel é bacharel em comunicação social/UNIP, acadêmico de Direito FMU e Tesoureiro da Fundação Santos Dumont.
Assinando o plano +MaisJustificando, você tem acesso integral aos cursos Pandora e ainda incentiva a nossa redação a continuar fazendo a diferença na cobertura jornalística nacional.
Notas:
[1] A Gaia e a Ciência
[2] Da guerra
[3] Teologia Política
[4] Obra de Francesco Carnelutti
[5] Conceito de Giorgio Agamben, originário da Roma Clássica, significa “Homem Sagrado”, indivíduo sem valores, sem lei, perseguido pelo Estado e por todos / https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-74/homo-sacer-o-poder-soberano-e-a-vida-nua/